Quero explicitar aqui algumas das referências imagéticas que eu recorri, e que fazem parte do meu referencial, na construção visual deste meu último trabalho como jogo eletrônico, /\ 0 [ ]
A primeira referência, que originou o conceito do jogo, foi a obra do Russo Wassily kandinsky. Foi ele quem teorizou muito a respeito da arte abstrata, em livros como "Linha e ponto sobre plano" e "O Espiritual na arte", além de ajudar a fundar a escola de design Bauhaus. Para ele, a pintura tinha de ser abstrata como a música: os sons despertam sentimentos sem que necessariamente nos remetam a objetos existentes no mundo, eles não são figurativos e são sensoriais.
Quando um artista executa um trabalho ele tem mais ou menos consciência do que ele ali articula. Há certa liberdade para experimentação, ou mesmo a busca do inconsciente pode ser a proposta em si, como no Surrealismo. Agora, ao final, consigo parar e olhar para trás, para as referências que articulei, e para o resultado do trabalho concretizado no jogo /\ 0 [ ] e chegar a algumas conclusões conscientes.
Foi engraçado que depois de lançar o jogo duas pessoas associaram ele com um pequeno romance do Séc IXX que eu desconhecia: "Planolândia". Escrito por um clérigo Inglês utilizando um pseudônimo, pelo que pude ler é uma alegoria satírica das mazelas sociais da Inglaterra Vitoriana e toda a sua desigualdade social. Curiosa associação, a princípio realizada por outra pessoa a partir do visual do jogo com a descrição do mundo dos "planolandeses", de apenas 2 dimensões, no livro, mas que no seu âmago tem uma relação mais direta com o que fiz no jogo.
O que no fundo eu proponho, e se você chegou até aqui no texto pode lhe interessar, é uma crítica a uma ideia que está muito corrente, desta vez não especificamente em movimentos de vanguarda artística mas diluído em toda a cultura, de um certo "futurismo", no pior sentido da palavra. O Futurismo foi um movimento artístico que teve vários artistas se associando a idéias fascistas por conta de sua ideia de um novo homem para um novo mundo técnico e racionalizado pela indústria. Se antes se ocupavam os artistas e filósofos de imaginar a arte do futuro, ela agora é pensada por marqueteiros e tecnicistas do MIT. Aquilo que muitos projetam como utopia: o mundo das IA, do metaverso, das redes sociais mediando todas as interações entre as pessoas, só consigo ver como uma distopia disfuncional. Coisas como o transumanismo, dentre outras "religiões" modernas disseminadas entre Vale do Silício e magnatas donos de meio mundo são expressões, ou sintomas, de um caminho distópico por onde esse mundo do capitalismo tardio e decadente há de trilhar. Meu jogo é apenas uma pequena representação alegórica de tal pesadelo.
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