Em tempos de internet das redes sociais e sua lógica algorítmica de influencers, o texto sincero do Filipe Veiga, o homem por trás da Teknamic, dá o que pensar. Ainda mais se você, como eu e como ele, é um produtor independente pra quem o tempo e o dinheiro são muito, mas muito caros. Vou citar aqui seu texto, que ele não publicou em lugar algum de momento, mas me autorizou a publicar aqui no blog, e depois tecer meus comentários a partir da minha experiência como joguinista independente.
"Voltar à criança que só queria criar.
Quando participava em eventos da indústria ficava com uma sensação incómoda - algo subtil, quase invisível - de não pertencer verdadeiramente àquele ambiente. Sentia que era preciso encaixar-me num modelo específico: comunicativo, bem relacionado, com números e palavras certas na ponta da língua.
Para quem é mais introspectivo, trabalha de forma independente ou segue um caminho mais autoral, esse tipo de ambiente pode ser desconfortável. Na verdade, o problema não está nos eventos em si. Está em mim, que me habituei a construir no silêncio, dentro de um nicho. Não são raras as vezes em que me sinto aquém, ou como se estivesse sempre a correr atrás de algo inalcançável.
Apercebi-me, então, de que sempre que o meu foco se afasta do processo criativo e passa a centrar-se na performance e na exposição, acabo por me sentir invisível e incapaz. Tento lembrar-me de valorizar o caminho que me levou ao desenvolvimento de jogos - um caminho solitário, feito de expressão criativa e de humanidade. E de que o meu sucesso não tem de ser medido apenas por números, alcance ou reputação.
Lembro-me de, em criança, ter decidido mudar o fundo de um joguinho LCD apenas porque queria um cenário diferente - e de ter arruinado o dispositivo no processo. Ali percebi que podia criar e transformar. Tal como gostava de desenhar gatafunhos para contar histórias, ou de inventar níveis para jogos de computador, muito antes de sequer ter um computador em casa.
A vida não me puxou directamente para uma carreira no desenho ou na criação de jogos. Acabei por tornar-me engenheiro de software, trabalhando em áreas bem distantes do universo criativo. Mantive, ao longo dos anos, um pé vacilante na criação, tentando produzir algo sempre que o tempo permitia. A minha dificuldade em lidar com a escassez de tempo - porque as contas não se pagam sozinhas, e tenho outras responsabilidades pessoais e profissionais - não me permitiu concretizar os inúmeros projectos criativos que tenho em papel.
Mas, por teimosia, ou talvez por sentir que devia uma realização à minha criança interior, acabei por extravasar esse ímpeto. Primeiro, através do trabalho de preservação no retro (da época da minha criança interior); depois, aventurando-me na edição e publicação de jogos homebrew de terceiros.
Esse trabalho de publishing levou-me a entrar - e a expor-me - na indústria moderna de jogos, onde o retro continua a ser um nicho muito mal compreendido. Ainda guardo, na memória, de vários eventos, os rostos de desconfiança, choque e surpresa de algumas figuras do meio. Mas isso faz parte. Afinal, já estou nisto há cinco anos e continuo a ser a única editora dedicada ao retro em Portugal. Isso diz muito sobre mim - talvez diga que sou demasiado teimoso, ou estúpido para aceitar o inevitável, e desistir de um caminho pedregoso, rumo a um destino que não é claro.
Nem todos precisam de ser estrelas no que fazem. Nem de participar em todos os eventos. Nem de ser populares. Nem bem sucedidos. Às vezes, basta apenas fazer algo verdadeiro - mesmo que apenas para si mesmo. É nisso que tenho pensado cada vez mais. Em voltar às origens. Àquela criança que se bastava a si própria para criar mundos e histórias. Ainda lhe devo isso. Talvez é assim que tenha que ser."
Filipe Veiga, 18 de agosto de 2025
Bom, aqui eu, Amaweks, retomo pra costurar uns pensamentos... parte de mim ainda é essa criança de que ele fala: no fundo o que eu quero é um motivo para ficar desenhando e criando mundinhos na solidão de em meu canto. Mas, por outro lado, como adulto, quero também fazer algo que possa ser entendido como arte. Eu de fato tenho mais pretenções do que quando criança, e para mim isso não tem mais volta.
Mas como o Filipe, eu também sinto que a "métrica" de sucesso para mim é algo particular. Claro que eu quero que meus jogos vendam e que as pessoas os conheçam, mas eu também sei que estou num nicho, e mesmo neste nicho o público interessado é apenas uma fatia menor. A real é que boa parte das pessoas interessadas em videogames "retro" é movida muito por nostalgia, e não se interessam pelo meu trabalho.
Tenho reiteirado que eu só participo com meus trabalhos em eventos que não me cobrem pela participação, e que se for o caso de eventos fora do estado que também dêem ajuda de custo para transporte estadia. Digo isso por que evento de videogame pago não é pra mim, uma pela grana, que não tenho, e outra por que o que eu iria esperar de lá? Vendas de meus jogos? elas não ocorrem, o público que compra meus jogos está na internet, e digo isso por experiênci orópria de quase 12 anos nessa lida. Busca de investidores e "networking"? Também não é o que procuro, eu prezo pela independência de meu trabalho, e sei que o que eu tenho a oferecer não é alvo de investimento no mercado de games.
Eu participo de alguns eventos por que quero, acho legal, e por que encaro eles como um tipo de "trabalho de campo". Levo meus livrinhos e zines para vender, até para ajduar a pagar os custos de deslocamento e alimentação, mas não são o lugar de onde tiro o sustento. Nos eventos que sou convidado eu então mostro meu trabalho para pessoas, me exponho a um público que não me conhece ainda, e também "coleto" as reações das pessoas ao jogarem e conversarem sobre o que veêm de meu trabalho. E é basicamente isso que mais me interessa quando participo de algum evento do tipo feira.
Eu sou grato pelas pessoas que seguem me acompanhando, mesmo que a distância, por que identificaram algo de interessante no que produzo. Mas também sei que a maior parte do público em todo evento presencial que eu participo tem dificuldade de compreender o que faço. Arte? Game? Uma parte do público de games não consegue compreender a dimensão de arte do trabalho, e boa parte do público de arte não consegue ver arte em meus games, me tornando sempre uma figura meio esquisita e deslocada, não importa onde eu me insira.
Não sei o quanto isso ocorre com outros joguinistas, sei que certamente ocorretambém com o Pedro Paiva e e o Daniel Dante, meus colegas do coletivo Mais Odiados do Videogame. No meu caso específico, por que faço jogos que funcionam em plataformas antigas, me exponho mais ao público retro.
Pra fechar, o que me motiva então? Ultimamente sobreviver, por que tenho vivido desse trabalho, mas também por seguir existindo como artista no sentido de ter motivação. O paoio daquelas pessoas que seguem acompanhando o trabalho também é uma motivação, então seguir mostrando na internet, e ir a um evento e outro des de que não fique no prejuízo, ainda é legal para mim. E, como no texto do Filipe Veiga, manter acesa aquela motivação sincera de criar pelo prazer de criar. Nem sempre é possível, e as dificudlades e exigências; demandas, da própria sobrevivência por vezes nos faz esquecer dessa motivação inicial que carregamos desde a infância. Mas é preciso, de algum modo, não esquecer disso.
E acho que é isso que eu tinha para falar. Obrigado ao Flilipe por compartilahr seu texto e me deixar também pensando a respeito destas questões. É isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário