terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Game como linguagem...

Este texto é um exercício de reflexão. As idéias não estão prontas, nem livre de contradições em minha cabeça. É no ato de escrever que tento amarrar as pontas e chegar em algum lugar, por isso o tom ensaístico. Por isso, não leve tão a sério o que vou escrever aqui. talvez eu não chegue a lugar algum, mas me vale a reflexão.

Vou retomar a questão do game como linguagem. As vezes me pego pensando no por quê desta preferência por gráficos bidimensionais, e mais especificamente pelos gráficos de games em 16-Bit. Que há, no geral, um elemento de nostalgia, isso há, e não é só comigo. Mas, meu interesse não se fixa nessa dimensão nostálgica. Acredito que tem algo de "particular" nos games bidimensionais, particular o suficiente para definir uma linguagem, assim como as animações, as HQs, ou o cinema. Vamos pontuar algumas coisas. Os games em 3D, mais cinematográficos, também podem definir uma linguagem, mas não são o foco do meu interesse, além dos produtores buscarem uma aproximação muito grande com a linguagem do cinema.



Um game não necessita de narrativa: a narrativa é um opcional. Pegando um exemplo clássico, no game Pong você não precisa de narrativa alguma: como no esporte, o jogo vale por ele mesmo não necessitando de qualquer motivação além do ato de jogar em sí. No entanto, qualquer outro game que saia do quesito "esporte", e traga elementos figurativos que sugiram qualquer tipo de narrativa, já entra em outro campo. Games do começo dos anos 80 ainda ficam nesta zona nebulosa entre a necessidade de narrativa e visual que sugere alguma história de fundo, como por exemplo Pac-man.

Mas peguemos Super Mario Bros do NES, de 1985. Aqui você já tem a necessidade de justificar ao jogador as motivações do protagonista: ele sai na aventura de salvar uma princesa e derrotar um vilão. Ele ainda é game, é jogo, tem aquele 50% que é o jogo por si, e tem que ter, se ele deixa de ser jogo e vira uma animação interativa, um erro que muitas produtoras cometeram na produção de games para o Sega CD.

Bom, o game pode ter narrativa, mas quais suas especificidades em relação a outras linguagens estéticas? O Game tem imagem e vídeo, assim como uma animação, no entanto, tem o "fator jogo". E não serve qualquer tipo de interação: não basta apenas escolher que botão apertar. O "fator jogo" é quando o game cria seu próprio mundo com regras; regras claras, mas que combinam entre si para formar situações mais complexas, fazendo com que o jogador reaja a este conjunto de situações. Vamos pegar o Mário novamente: o Jogador, então, sabe que controla um personagem que se move horizontalmente a determinada velocidade, que ele tem certa aceleração, que ele pula em determinadas alturas dependendo do tipo de pressão no botão de pulo, que ele mata os inimigos ao pular em cima deles, e que morre se colidir de outra forma nos inimigos ou se cair em um buraco no cenário. O design das fases, suas plataformas e obstáculos, assim como o lugar deste cenário onde se encontram os inimigos, cria diferentes combinações que exigem do jogador um calculo destas variantes. Não muito diferente de quando você dirige um carro. Bom, é mais ou menos isto que entendo como o "fator jogo", e que fique claro que ele é imprescindível para o game.

O Fator jogo é uma das particularidades da linguagem do game. No entanto, não é a única. Começo a esboçara ideia de que, graficamente, os gráficos em 8 e 16 Bits são um elemento que distingue visualmente os games de outras linguagens. Eu me pergunto: mas outras linguagens não poderiam adotar a mesma estética? Não sem sacrificar algumas de suas particularidades. Pensando nas animações não precisamos ir muito longe: o youtube está repleto de animações do tipo "machinima", aquelas animações amadoras que se apropriam de cenas em movimento retiradas de games. Elas não são games, são animações, que no entanto só se sustentam dialogando com sentimentos de nostalgia. Como linguagem de animação, eles costumam ser pobres, a não ser quando são editados de maneira inteligente com trocas de "câmeras", com ângulos dinâmicos, e efeitos de zoom que não constam na fonte de origem do game (estamos falando de games bidimensionais, então Minecraft não conta). talvez um grafico 2D, que tem movimento limitado de câmera, gráficos pixelados, só se torne interessante no momento em que ele contem o fator game.

O outro ponto que fica em minha mente enquanto brinco com pixelart é a questão da imagem como linguagem. Nós sabemos minimamente distinguir uma pintura de um desenho: a pintura trabalha essencialmente com manchas de cor, e o desenho com contornos (sim essas cosias não são puras, mas o fato é que o contorno exige certas soluções diferentes da mancha). A pixelart de games exige também soluções próprias. Uma destas soluções, pelo que parece, vem das próprias limitações dos games antigos: resolução e paleta de cores. Uma resolução limitada, e uma paleta de cores reduzida, forçam o artista a buscar certas soluções interessantes para construir a imagem: definir planos, deixar claro quais elementos estão regidos por esta ou aquela regra do fator jogo. Estas limitações levam, em geral, a soluções que não prezam pelo realismo, mas sim pelo estilismo dos objetos. A composição da imagem é pensada mais com a de uma pintura em movimento do que como em na fotografia de um filme.

Outra detalhe me parece a necessidade do game de se afastar do texto. Vamos pensar o seguinte: os primeiros RPGs e Adventures de computador eram games totalmente baseados no texto. Assim deviam ser pelas limitações técnicas da época. Por outro lado, games como PAC-man evitavam todo e qualquer texto. O texto sempre foi um problema para os games: como usar o texto sem tornar as cenas não interativas chatas e massantes, e sem que elas fossem apenas aquele momento que o jogador quer pular a qualquer custo e ir direto para a ação. Talvez não tenha sido a toa que os RPGs e Adventures começaram a ficar mais interessantes e populares no momento em que puderam jutnar texto, fator jogo, com gráficos bem animados. Os demais games sempre evitaram o texto ao máximo (as vezes mantido apenas no manual de instruções), e acredito que não fosse apenas por limitações técnicas e de espaço no rom.

Vejam o game Sonic the Hedgehog: a intenção era superar os games do Mario. Não sei dizer se eles conseguiram superar, mas com certeza igualaram o feito de transformar seu game e personagem em uma figura pop. Vou destacar dois motivos, entre outros, para isso (além do marketing pesado) 1) Controle Simples: eles conseguiram tornar os controles mais simples que o dos games do mario, e 2) Narrativa que é contada no gameplay (durante o jogo). Sonic não tem nenhum texto in game que conte a história. mas jogando, você entende que controla um herói que é um animal, que destrói inimigos (robôs) para salvar pequenos animais que são libertados a cada inimigo destruído ou aos montes no final das fases. entende que em Sonic você enfrenta o único humana que ali aparece: um sujeito com cara de cientista maluco que usa diferentes maquinas excêntricas para tentar te destruir. Sem texto algum você pode entender o conteúdo "ecologista" da narrativa do game. E isso tudo acontece enquanto você joga.

Bom, entre pensamentos experimentais, ainda me parece que um bom game, como linguagem, tem como algumas de suas especificidades o fato de juntar a narrativa ao gameplay (fator jogo). isso pode ser feito de forma mais efetiva com o uso de gráficos menos realistas, mais estilizados, e um dos recursos para se alcançar estes gráficos são as limitações de cor e resolução. Se você leu este texto até aqui, meus parabéns!



PS: Acho que se eu fosse fazer hoje meu game do Zé Baldinho faria tanta coisa diferente, a começar pelos controles mais simples, talvez como no Mário, e pelos gráficos: as limitações próximas às do Master System dão um toque bem legal ao personagem.


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