Mazelas e Desabafos do Desenvolvedor Precarizado nas “redes”(sic):
Amaweks: Preguiça com rede social
Com todo esse rolo aí da rede social X (Twitter), fica mais do que claro que não dá para fazer grandes apostas em qualquer rede social, seja nova ou antiga. Não só porque amanhã ou depois coisa equivalente pode acontecer com outras redes, e lá se vai todo o trabalho de "cultivar" um perfil com postagens e seguidores, mas também pq em algo que tanto eu quanto o Pedro sempre achamos problemático e que está na própria forma destes ambientes digitais: sua lógica, a forma como funcionam e como as pessoas ali interagem induz a certos lugares.
As redes sociais são espaços privados que criam uma ilusão de que abrem ou representam um espaço público. Por vezes a gente viu perfis de esquerda sendo perseguidos ou censurados, e perfis da tal "Alt right" ou neo nazi mesmo saindo ilesos. E eu particularmente não acho que legalismo vai ser solução não. A burguesia mundial se divide em certos temas, e o controle das redes é um deles. Essa é uma briga "Interna", sobre monopólios e as tais leis de regulamentação de redes sociais podem no fim dar ainda mais ferramentas para os donos destas censurarem arbitrariamente quem eles quiserem, como sempre fizeram.
Talvez, outros segmentos da burguesia internacional passem a ter algum controle sobre elas, mas honestamente não dá para confiar em suas intenções também. É bom sempre lembrar que vivemos no estado burguês, que o que eles chamam de democracia é na prática um conceito vago, e que as leis não são feitas para o povo. Vai ser muito fácil enquadrar qualquer perfil ou postagem de esquerda, que realmente incomode, como "terrorista" ou "discurso de ódio". Quando necessário, a tal "direita democrática" vai fazer como sempre fez, e vimos muito recentemente, e "chocar o ovo da serpente" do fascismo.
Mas retomando sobre as redes sociais, como dizia, elas são espaços privados. Os dispositivos que se operam nestas redes criam algumas ilusões que a gente já consegue perceber com mais clareza: o falso consenso, o falso debate público, e a ilusão de espontaneidade. Elas na verdade não criam nada disso, mas simulacros que interditam a construção real de verdadeiro debate e relações sociais.
O falso consenso a gente vê todo dia nas redes: já sabemos que os tais algoritmos criam as tais "bolhas" de opiniões, e que as pessoas ficam cercadas de ideias espelhadas. É um negócio narcisista, de ouvir o tempo todo um eco das suas próprias ideias concebidas. E isso cria uma ideia de consenso na pessoa, de que seus posicionamentos são compartilhados pela maioria das pessoas. Na maioria dos casos isto está longe da verdade.
Essa forma artificial de consenso legitima a ideia de que nas redes existe de fato um debate público. Mas o que realmente existe é "marketing", propaganda, e desde os grandes até nós perfis pequenos fazemos isto querendo ou não. O perfil, a persona, vira um produto em si, e tudo que fazemos, até nossas opiniões políticas, podem ser reduzidas à "propaganda" do perfil, ou para alimentar o algoritmo e nos enquadrar em alguma bolha. Ninguém está ali para construir uma opinião nova, mas para alimentar um perfil privado, e no processo acreditando que existe um debate público.
E tem a ilusão da espontaneidade: já que se acredita que existe debate então parece que tudo ali nas redes são tendências espontâneas, de origem popular, vertical ou de baixo para cima. Muito pelo contrário, a maioria das tendências vem de cima para baixo, impulsionadas por algoritmos obscuros, certamente manipuláveis.
E essas ilusões, e possivelmente outras mais, se retro alimentam umas nas outras: a ilusão de espontaneidade da direção da rede faz pensar que aquilo é debate público, que por si faz pensar que aquilo é um espaço público e de construção coletiva, e que é possível alcançar consenso social real naquele espaço. No fim tudo isto tem levado a uma cínica Hipernormalização da barbárie: apesar de cada vez mais óbvio o quão nocivo são estes espaços somos obrigados a fingir que não, pois desprovidos de outros meios ficamos presos às redes para divulgar nossa produção ou conseguir trabalho freelance.
E o que nós do videogame underground e independente podemos fazer para construir alternativas? O Pedro pode com certeza falar melhor disso, pois a tempos ele faz experiências com o fliperama na rua, e eu vou a reboque. Também acho importante valorizar espaços como o zine, os sites, e blogs de internet. Sei que está "fora de moda", mas mantenho desde 2014 o blog porque é onde eu consigo escrever mais livremente, além de ter um índice onde posso encontrar as publicações, ideias, projetos, etc. Nas redes sociais parece que tudo se perde depois de um ou dois dias, de qualquer modo.
Pedro Menos: Um desabafo!
Não vou mentir, fiquei muito frustrado com o bloqueio do Twitter. Era minha rede social com maior quantidade de seguidores, o que quer dizer pouco mais que cinco mil, não muito em comparação com perfis que realmente ganham a vida naquilo ali, mas pra mim era muito. Claro, entendo que minhas publicações nunca foram de fato entregues à totalidade dos meus seguidores em benefício dos usuários que pagam pela plataforma, e é provável que alguns milhares deles sejam de usuários inativos ou até gente que já morreu. E a esmagadora maioria nunca sequer cogitou gastar dinheiro com meu trabalho. Mesmo assim, é frustrante ver quase uma década de atritos com a plataforma e com a ideologia liberal que a estrutura ser jogada no lixo pelo capricho de um bilionário.
É uma posição muito maluca: ao mesmo tempo em que estou ali produzindo uma persona que é uma mercadoria que pretendo que seja rentável, o meu perfil, também estou botando tudo a perder quando o que divulgo através desse perfil carrega, de uma forma ou de outra, uma crítica do seu modo de funcionamento. Perdi umas dez vezes mais seguidores do que ganhei. E por escolhas minhas, não pega bem sair compartilhando o tipo de coisa que eu produzo, entendo quem é covarde porque precisa escolher sobreviver e estar bonitinho nas redes. Eu mesmo optei por voltar a dar aulas pra sobreviver, é uma merda, mas não tenho coragem de assaltar um banco. Mas quer saber? Entendo mas não respeito, não abro mão de chamar de covarde quem deixa um colega pra trás só por medo de ficar xarope diante do networking profissional e seus influenciadores de estimação. Quem não divulga o videogame radical é cagalhão e pra essa gente eu desejo o pior. Não aguentariam estar numa sala de aula, onde também somos derrotados pelas redes sociais.
O Paulo me convidou pra escrever essa postagem a quatro mãos com ele, e acho que ele já falou muito bem sobre como existe esse fechamento técnico e econômico das plataformas sociais privadas, e que não se constrói espaço público ou vida comunitária usando essa merda. Eu também já estou um pouco farto de repetir isso, não é novidade pra ninguém e tem sido a ladainha de praticamente todas as minhas publicações do blog. Por causa da escola, não tenho tido tempo de sair com meus fliperamas por aí, e é muito gratificante sempre encontrar, nas ruas da cidade, gente que já tem seus jogos preferidos, que retorna apresentando minhas máquinas pros amigos - mas que ao mesmo tempo não gasta um tostão pra fortalecer o projeto, com raras exceções. Mas entendo, ninguém tem dinheiro, tá todo mundo na merda, as pessoas só tem pro essencial, pro aluguel e pra comida, e ainda fica devendo pro banco. Quem tem grana não tá nos lugares que eu frequento, ou tem nojinho do meu trabalho. Então não tá dando mais pra fazer isso, porque pra mim também não tá fácil, não tenho mais condições de operar no prejuízo. E não sei como fazer pra isso funcionar, o fliperama é a solução com toda a certeza, estou certo na intuição e na experiência, mas acabou minha paciência e toda minha criatividade está voltada para planejar minhas aulas que as crianças ignoram porque os pais deixam elas levarem o tik tok pra escola.
Estou desesperançoso em relação ao videogame e nunca estive tão certo sobre a necessidade de derrotar as redes sociais e construir equipamentos culturais de caráter comunitário e compromisso socialista. Não sei o que fazer a seguir e tenho vontade de desistir, só não vou desistir porque já vi um artista desistir do seu trabalho e não quero ficar assim, é triste demais, é pior do que qualquer coisa, é pior do que morrer.
Amaweks: Uma andorinha não faz verão.
Sim, to usando “ditado” popular de tiozão, pq pra quem não sabe eu já sou um tiozão de 43 anos de idade, ainda aqui dando murro em ponta de faca (opa, outro ditado). Assim, como o Pedro, como professor de artes que já fui, sei bem das mazelas de ser professor nesse país, mundo, e capitalismo decadente. Eu, que saí totalmente burnout da escola, já me tremo todo (literalmente) só de cogitar voltar para uma sala de aula de escola, e até esta alternativa acredito que eu tenha perdido, e não sei como o Pedro está aguentando.
Pra fechar nosso texto, queria lembrar que a solução pras mazelas destas redes tem de ser construções realmente comunitárias. Como o Pedro fala já cansado de tanto repetir, a coisa tem de passar pela iniciativa do Fliperama, pela rua, pela comunidade real. É confortável ficar só na rede social, mas não resolve grandes coisa. Sem apoio, e vamos falar a real, sem dinheiro pra pagar o trabalho dos criadores de cultura (de games, de música, de artes em geral), a coisa fica inviável, por que a gente respira, come, paga transporte, ama, vive, e isso não sai de graça nesse mundo.
Sozinho ninguém consegue fazer nada mesmo. Eu falando pras paredes por minha conta, o Pedro falando para as paredes do lado dele, e não só falando, mas experimentando, colocando em prática, modificando as elaborações teóricas a partir da prática, e estamos a 10 anos patinando, ou quando no máximo vendo outras pessoas ganharem grana com algumas ideias das quais fomos pioneiros. Isso cansa sim. Nossa atual forma de resistir e sobreviver foi se juntar na coletivização do Selo do Pedro agora como Os mais Odiados do Videogame (e não, sem romantização, não é “resistência” como se fosse algo revolucionário, quem nos dera, mas na atual situação é mesmo questão básica de sobrevivência).
O selo Mais Odiados (ou um tipo de cooperativa que formamos entre nós) está só no começo, e vamos experimentar o que estiver nas nossas possibilidades, mas já bem mais cansados depois desta caminhada de mais de 10 anos. Vamos ver o que vai dar, pois seguimos tentando sobreviver como seres humanos sencientes.
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