Tem dias que eu tenho de ficar por uns minutos com a cabeça
debaixo do chuveiro e dizer a mim mesmo que é bom e vale a pena estar vivo,
apesar do mundo que nós construímos.
O Estado Sionista de Israel, que já praticava um regime de apartheid,
fechando em um gueto toda uma população de recorte étnico, vai entrar para a
história na mesma página dos genocídios, dos crimes de guerra, dos estados
fascistas e de extrema-direita, e ironicamente das tropas Nazi e suas ações
carniceiras no leste europeu durante a segunda guerra mundial. Goste ou não,
concorde ou não, isso vai estar nos livros de história, não somos nós quem
decidimos, mas digo que do que conheço dos historiadores e de sua profissão,
sei que vai ser a única forma possível da história ser escrita, seja com maior
ou menor grau de floreios.
Se você é judeu, ou simpatiza com o estado Sionista de
Israel, lhe digo que a verdadeira questão está longe de ser o que eu penso a
respeito destas décadas e dos fatos mais recentes: eu estou longe, não tenho
poder político algum, não sou parte de nenhum grupo de pessoas relacionadas a
esse conflito, luto para mal conseguir a minha sobrevivência diária. A real e
relevante questão é o que você vai fazer a respeito desta constatação. Vai
negar? Fingir que não existe? Acusar qualquer crítico do Estado de Israel de antissemitismo
como se fosse essa uma palavra mágica que mudasse as coisas? Lamento, não
mudará. Os livros de história vão sim ser injustos e jogar você no mesmo saco
do Governo Sionista, de suas décadas de apartheid, de seu genocídio étnico e ao
lado daqueles que um dia fizeram algo semelhante ao seu povo. Novamente, não
por que eu estou dizendo, eu não sou ninguém nesse filme, e só estou lembrando
a quem me leia desse fato. Então o que você fará a respeito, ao menos daqui para
frente?
Quanto a mim, eu falo isso por que eu sempre me coloquei, e
sempre vou me colocar, do lado dos oprimidos do mundo. Tenho essa mania, de me
identificar mais com estes, não sei o porquê.

E se você ainda me acompanha na leitura até aqui, tenho
outra coisa pra dizer. Ainda debaixo do chuveiro, depois declamar mentalmente
o texto acima em minha cabeça, eu me perguntei o que é isso que me faz ainda
querer viver. E a resposta pode soar obvia para quem me conhece: Arte. Se não fosse pela Arte
eu acredito que eu não estaria mais nesse mundo. Um mundo horroroso e
distópico, onde qualquer pessoa com um mínimo de senso histórico pode perceber
o quanto essa sociedade moderna, capitalista, vem degradando a vida entre nós,
ao ponto de prometer a desumanização completa que nos reduz a meros
consumidores e reprodutores do sistema 24 horas por dia. Um mudo de guerras, de
miséria, fome, intolerâncias várias, opressão de classe, e horrores inacabáveis
para se descrever. Um mundo que se quer pode oferecer um futuro às novas
gerações, relegadas ao cinismo de uma má consciência de um
"inevitável" desastre econômico, ambiental, consequentemente social e
existencial.
Criamos estes horrores não só por ganancia, por instinto
animal de "o meu primeiro", como muitos outros animais, ou por puro
sadismo, como fazem alguns primatas, mas também por que somos animais
simbólicos. Nós olhamos para o mundo e enxergamos coisas que ali não estão, que
são projeções de nossas cabeças. E estas projeções carregam significados
internos, e sociais, que vão pra além de sua representação. E é exatamente por
sermos essa espécie de animal, louco e terrível, que também somos capazes de
beleza e de sonhar um futuro melhor.
Projetamos utopias, pensamos em futuros possíveis, sem fome,
sem fronteiras, sem classes. Nos organizamos, lutamos não só por agendas
individuais mas sociais. E fazemos isto por que temos a capacidade de imaginar.
Imaginação que esta sociedade mata em quase todas as pessoas, mas que nós
artistas, a duras penas, nos forçamos a cultivar. Inventamos mundos possíveis e
impossíveis nos filmes, livros, games, e outros tipos de narrativas, além de
poesia, música, e outras formas de dar significado e espírito ao invisível.
Mundos em planetas distantes, utopias de paz entre os homens aos moldes de “Star
Trek”, histórias de superação das mazelas sociais humanas, ideais que
transcendem as necessidades de um indivíduo pelas quais lutar. Nisso tudo a
arte é essencial para nos ajudar a seguir a diante.
Não fosse a arte, em todas as suas formas, o mundo seria
apenas isto que está aí e do qual já falei o suficiente. Só restaria
imediatismo biológico seguido de um senso de inevitabilidade histórica. A vida
sem símbolos seria a ausência de cores no agora e no futuro. Eu acredito que o
"fim da história" vai se dar não quando as instituições humanas
chegarem a este ou aquele estágio de desenvolvimento, mas quando morrer a arte
entre nós. Se isto está próximo ou distante, com essa investida capitalista das
IAs, se podemos superar ou não este desafio, ai eu deixo para sua imaginação.