segunda-feira, 31 de março de 2014

Para mim ou para as aulas?


Semana passada fiz alguns instrumentos musicais. Além de um orocongo que dispensa pele de animal, acabei por fazer um "violãozinho", também com uma cabaça (porongo, catuto, etc...). Se eu fiz pra mim, pra vender, ou como preparação para minhas aulas? Para tudo isso ao mesmo tempo.


Orocongo de lata (lata, cabo de vassoura velho, tarraxa). Perfeito para fazer com os alunos do ensino médio, já que exige materiais simples que eu já estou guardando em casa e que vou também solicitar aos alunos.



Orocongo feito à facão: com cabaça e tarracha artesanal esculpida em madeira. O braço também esculpi (à facão). Minha mãe me conseguiu mais umas cabaças destas, vou fazer outros como esse e vender pra complementar a renda. Tanto esse quanto o de lata fazem parte de uma pesquisa que faço em paralelo aos amigos Lucas S. Kinceler e Leonardo Lima, sobre fabricação de instrumentos diversos.



"Making off " do violãozinho. Fiz com uma cabaça e um pedaço de caibro de angelim (meia perna de serra). Aqui o estudo era principalmente sobre os trastes da escala. Fiz a escala testando com o afinador, e fiz os trastes com filetes de cabaça que posteriormente foram colados e apertados até ficarem retos sobre as canaletas que esculpi na escala. O segundo estudo foi das cordas, descobrir a sonoridade do instrumento, em outras palavras, saber que instrumento era esse.



Por fim descobri que o instrumento é um Ukulele, aquele violãozinho havaiano. Ele é descendente do cavaquinho português, como o cavaquinho brasileiro, mas todos tem afinações bem diversas entre si dependendo do regionalismo. O Ukulele tem 4 cordas, sendo que a corda de cima (borda) é a segunda mais aguda.


A falta


Pensar que a criatividade pode se apoiar na "falta" como gatilho não é uma operação tão simples assim. Em situações relacionais, com comunidades, é mais uma questão de percepção, de estar antenado e aberto aos desejos e saberes das outras pessoas. A falta costuma ser complexa, não uma ou outra necessidade específica, mas coisas que só podem ser supridas na construção de novas relações entre as pessoas.

Dito isso faço meu "mea culpa" por ter de simplificar didaticamente esse conceito para trabalhar ele em atividades de criação de narrativa. Sabendo que o narrador, segundo Benjamin, é o sujeito que se apoia na distância do tempo e/ou do espaço para dar legitimidade à experiência que carrega sua narrativa, e que a ficção é aquilo que, de notável, não vem impregnado de respostas, cabe a quem fabula diante de uma imagem buscar suas "faltas" - fazendo uma redução, lançar perguntas para a imagem. 


Que lugar é esse? Como, onde, quando? Quem é essa pessoa? O que faz ali? Por que nos olha fixamente?


Meu amigo Antú


Hoje eu posso ser considerado um ancião, mas um dia eu também fui jovem. Foi a muito tempo atrás que eu vi aquela imagem, mas ela parece cada dia mais viva em minha memória. Naquela época esse lugar era muito diferente: no lugar de prédios e concreto tínhamos grandes pastos e morros verdes; no lugar de hotéis de luxo na beira da praia tínhamos grandes dunas como pequenos desertos dentro de um grande oásis; e no lugar de ruídos frenéticos de automóveis e aparelhos eletrônicos podia-se ouvir os sons do silêncio.
Era mais um dia comum, onde os dias tinham um ritmo diferente, mais lento, onde nenhum ocorrido se passava despercebido. Eu desenhava com carvão sobre papel de pão enquanto olhava para a paisagem de minha janela. Primeiro estava tudo lá, como sempre: areias de duna, restinga, e atrás morros verdes sobre um céu que já esmaecia. No minuto seguinte, como num flash, aquela figura: um menino de cabelos longos, olhando com grandes amêndoas para dentro de meu quarto.

- Sai daí menino, não vê que tá me atrapalhando – eu pronunciei aos berros.
- O que você está fazendo? – retrucou o menino.
- Não é da sua conta – arrematei.

Como somos ariscos com o novo e o surpreendente. Eu ainda não sabia, mas ali quase coloquei a perder uma grande amizade que duraria por décadas a fio.  Não fosse a insistência inabalável de meu amigo, que no dia seguinte me encontrara entediado sem ter o que fazer, não teríamos tido todas as aventuras que vivemos quando juntávamos nossas imaginações com os fatos e lugares desse mundo que já não existe mais. Mas essas são outras histórias, que prefiro narrar nas próximas oportunidades. Até lá.

terça-feira, 25 de março de 2014

Outras turmas...


Além do planejamento de longo prazo que trata de diferentes formas de narrativas, e gerar imagens pra elas indo do real para a representação, para o real, e assim segue, construo outra aula com outras duas turmas. São as "tocatas visuais", como dizem meus amigos Leo e Lucas. Eu e os alunos vamos construir instrumentos e tocar, sempre nesse movimento, criando imagens a partir da música e também o inverso. Tocatas são democráticas, aceitam músicos e não músicos, e e ambos tem o que aprender com elas.

Por algumas aulas sentamos e fizemos ocarinas. Sempre no final da aula tentávamos soprar elas. Saiu som? Então guardamos, se não saiu som, amassa e coloca no bloco de argila novamente. "A, prof, desmanchar? Deu um trabalhão, eu não vou fazer de novo isso..." "Isso mesmo, desmanchar as que não tocaram". 

Desprendimento e diálogo com o real: se fosse uma atividade de faz de conta, comum na escola, ficaríamos felizes em mostrar elas para os pais e dizer que servem pra algo. Mas não tem faz de conta, não é "trabalhinho de escola", nem mera recreação, é fazer no real. No mais, quem trabalha com cerâmica sabe que é assim: não atingiu o objetivo, faz mal, não se desperdiça a argila, amassa tudo e tenta de novo.


Ocarinas feitas pela turma 22 em 3 tentativas.

Ocarinas feitas pela turma 31 em 4 tentativas.

Números engraçados: Na primeira tentativa nenhuma ocarina saindo som (esperado), na segunda, duas tocando, na terceira 3, e na quarta 4.


quinta-feira, 20 de março de 2014

Ganhei um desenho...


Hoje colori um desenho que ganhei (minha encomenda especial). Antú, de 10 anos, filho da minha amiga Ana Lorena (também professora de Artes). Ela pediu a ele um desenho "grande", especialmente para me presentear. Hoje eu colori ele:


Esse foi o resultado do trabalho conjunto meu e do Antú. Imprimi em uma folha de gramatura média e utilizei giz pastel, um pincel e óleo de soja (sim, quem não tem óleo de linhaça improvisa com o que dá).

Quem será esta moça? O que fazia antes e o que fez depois desta imagem? Será esta narrativa distante no tempo, ocorreu no passado, ou no espaço, é o relato de um lugar distante, ou mesmo ambos? Se me contarem direi que é verdade...




quarta-feira, 19 de março de 2014

Ser professor é também ser trabalhador de uma categoria... 

"A escola não está ruim apenas para o professor, mas também para a comunidade", disse sabiamente o professor Eduardo. Por favor, assistam os dois vídeos abaixo...

http://vimeo.com/89456987

http://vimeo.com/89459748

segunda-feira, 17 de março de 2014

Walter Benjamin relaciona a narrativa historicamente à cultura oral. O sujeito da oralidade retira aquilo que narra da própria experiência ou da experiência relatada por outros. Para o autor, o narrador é um homem que sabe “dar conselhos” e o “conselho, entretecido na matéria da vida vivida, é sabedoria”. Ele fala do narrador ontológico, o narrador que dá conselhos é aquele que se expõe ao mundo, tanto no momento em que aconselha, quando no momento da experiência:

Quando alguém faz uma viagem, então tem alguma coisa para contar, diz a voz do povo e imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas não é com menos prazer que se ouve aquele que, vivendo honestamente do seu trabalho, ficou em casa e conhece as histórias e tradições de sua terra. Se se quer presentificar estes dois grupos nos seus representantes arcaicos, então um está encarnado no lavrador sedentário e o outro no marinheiro mercante” (BENJAMIN, 1980, p. 58).

Aqui ficam definidas as duas figuras ontológicas para o narrador benjaminiano: um, o sedentário, e o outro, o aventureiro. O que os une é que seu saber tem uma origem longínqua. O primeiro, distante no tempo, e o segundo, distante no espaço. E é essa distância que dá autoridade ao seu saber. Quem narra expõe sua vida, suas experiências e expectativas, por onde andou e não andou e o que a ele se sucedeu (BENJAMIN, 1980).
No lugar do contraponto à narrativa Walter Benjamin coloca a iformação:

A notícia que vinha da distância – fosse ela a distância espacial de terras estranhas ou a temporal da tradição – dispunha de uma autoridade que lhe conferia validade, mesmo nos casos onde não era submetida a controle. A informação, porém, coloca a exigência de pronta verificabilidade. O que nela adquire primazia é o fato de ser “inteligível por si mesma”. (...) Cada manhã nos informa sobre as novidades do universo. No entanto somos pobres de histórias notáveis. Isso ocorre por que não chega até nós nenhum fato que já não tenha sido impregnado de explicações (BENJAMIN, 1980, p. 61).


Narrativa e experiência são instâncias geradoras de sentido para aquilo que nos toca, diferentemente da notícia que apenas passa. Também fica claro que enquanto a notícia tem de se vestir de verídica para obter legitimidade, a narrativa necessita da ficção. Mas o caráter fantástico da narrativa, que pode lhe tirar a verossimilhança com o mundo factual, é o que lhe permite expor uma verossimilhança com os indivíduos e espaços sociais. Quem narra coloca fatos fictícios, mas discursa uma leitura de si e do mundo.


BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: (vários) Os pensadores: Benjamin, Adorno, Horkhelmer, Habermas, textos escolhidos. São Paulo : Abril Cultural. 1980. P. 57 – 74.

terça-feira, 11 de março de 2014

JUSTO...

Se eu me proponho a colocar os alunos no real de Lacan, lá onde a falta nos move na busca que é o motor da criatividade, então nada mais justo que me jogar no desconhecido. Quando pedi aos alunos que conseguissem um desenho apenas com contornos de uma criança de 3 a 6 anos, eu sabia que nem todos conseguiriam. Uma tarefa inusitada, que nunca passaria pela cabeça de qualquer um que seu professor viria com tal pedido. Mas assim é a vida, assim é o real, e assim é a falta que move a criatividade. Além de exercício sobre volume, fases do desenho infantil, retomada do desenho com uma maioria de alunos que já parou de desenhar.

Pedi a uma amiga dois desenhos de seus filhos, encomendados especialmente para mim. No real é assim: o imprevisível, além do que dependemos do diálogo de nosso desejo com o desejo de outros, no caso, o meu, de minha amiga, e das crianças. Ainda não consegui os desenhos, mas sem desistir, tive de pegar desenhos da internet para continuar a atividade com os alunos. Se eu posso pegar desenhos da internet para colorir, nada mais justo que fotocopiar estes para os alunos que não conseguiram o desenho das crianças também terem algo para colorir. E assim procedi. Os desenhos que colorimos são de autoria compartilhada: são de quem desenhou, e de quem coloriu e criou em cima.

Só consegui refletir as questões destes parágrafos por que parei para escrever-los. E esse é um dos motivos por que um diário é importante: ele não é um fim, mas processo que permite a reconstrução de ideias. Se ele for a/r/tográfico, e dialogar texto e imagem, melhor ainda, pois possibilita a articulação dos dois hemisférios do cérebro (o da imagem e o da linguagem abstrata), ampliando ainda mais as possibilidades de reflexão.

Querem ver que bonitos os desenhos que colori?


Fonte da imagem original:


Fonte da imagem original:



segunda-feira, 10 de março de 2014

sábado, 8 de março de 2014

Uma narrativa...


Já viram quando uma criança desenha e seu desenho é uma narrativa viva? Como um brinquedo, a criança desenha, sobrepõe desenhos, vai adicionando os novos elementos que se encadeiam na narrativa, sobrepondo-os ao mesmo desenho. Não lhe interessa o resultado final, mas sim o percurso daquele desenho/brinquedo/narrativa.


"A bernunça é bicho brabo que engoliu mané João. Come pão, come bolacha, come tudo que lhe dão", e o que não lhe dão também. Interessantíssimas criaturas que vivem na mata de restinga de nossas praias (ainda que seu habitat esteja em extinção). Raramente avistada, ela tem uma grande capacidade de se camuflar, de forma muito mais habilidosa que um camaleão. Quase sempre atentas, elas também precisam de seu momento de sono, e é ai que elas mostram sua beleza. Grandes sonhadoras, elas materializam involuntariamente na superfície de sua pele as imagens que entretém suas mentes, sejam memórias passadas ou futuras.



Certa vez Bernadete, quando ainda bernuncinha, se perdera de sua mãe ao buscar abocanhar a rabiola de uma pipa.

Cansada e perdida, ela procurou um lugar onde se camuflar, sempre dando preferência aos brinquedos bagunçados do quarto de alguma criança desta terra.



Já desanimada por não conseguir direções, ela a avista um Boi-tatá voando em certa direção. Lembrou da lição de sua mamãe bernunça: "os Boi-tatás vivem nas ilhas menores ao sul da grande ilha, lá eles mantém seus ninhos e cuidam dos seus filhotes". Esperta que era, Bernadete seguiu a criatura tatarina para assim encontrar as praias do sul.


É claro que ela encontrou o fim de sua pequena odisseia, e essa lembrança vai viver para sempre nas narrativas de sua existência sonhadora.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Inspirações...


Nada como um bom contexto para inventar narrativas da imagem para a palavra, vice-e-versa, nesse movimento contínuo. Infinitas são as narrativas e imagens que podemos inventar a partir da imaginação de uma criança.


Fonte da imagem: http://www.conselhosdoheman.com.br/2013/12/pai-transforma-desenhos-do-filho-em.html

Reativando o Blog depois do feriado de carnaval...


Imagens que tocam minha prática...

E agora?
Dê muito papel grande e giz de cera pra criança...