domingo, 14 de agosto de 2022

Tecnologias - reflexão parte 2

Dando sequencia a reflexão que fiz a dois dias atrás, quero colocar aqui umas coisas novamente a partir de outro "causo" que vi na internet.

 

Faz poucos dias que eu resolvi que ia desmonetizar meus antigos jogos de PC, por que eles utilizam uma “engine” (motor ou linguagem de desenvolvimento de jogo) antiga e que não tem mais funcionado direito nas versões mais novas e atualizadas do windows. Devwill, de 2017, estava na Steam, um sistema de loja de jogos em versão digital, o equivalente a precursor do netflix nos jogos. Como a steam não me foi a melhor das experiências, e o jogo não me dava nada de lucro lá, e dada a situação de obsolescência do jogo, resolvi tirar ele da loja do steam. Por que além de não me dar lucro algum eu ainda ia ter de dar suporte a ajudar pessoas que podiam comprar o jogo por lá e não conseguir jogar por ele não funcionar em seu computador. Mas o que aconteceu em seguida me deixou refletindo sobre algumas coisas. Vale aqui um parênteses pra resumir essa minha incursão na steam.

 

Em 2017 consegui colocar Devwill, para PC, na steam. Eu entrei com o jogo na finaleira da greenlight, e paguei uma taxa de 100 reais para colocar meu jogo na loja (hoje em dia é de 100 dólares a taxa). Foi uma trabalheira, o sistema da steam é todo burocrático e difícil de se editar e atualizar. Atualizei o jogo, tentei manter retorno aos jogadores, aos comentários, etc. Não vendi quase nada, depois de 6 meses recebi os primeiros 100 dólares, que tirando taxas bancárias e tudo o mais deu uns 350 reais na minha conta. E só, nunca mais recebi mais nada. A loja só me pagava se o jogo acumulasse 100 dólares líquidos de venda. E para alcançar isso ele tinha que vender + - uns 175 dólares brutos, por que tinha taxa da steam, taxa bancária, e 30% de retenção de IR do governo dos EUA para terceiro mundistas como eu (dinheirinho bom pra ajudar os EUA a fazer guerras mundo a fora). Só o trabalho de manter o jogo e atualizar ele naquele sistema, as horas e mais horas perdidas nisso, não se pagou com o que o jogo me deu de retorno na steam, quem dirá todo o trabalho criativo e de execução do jogo. Meu veredito é que para mim, e acredito que para produtores pequenos como eu que não tenham capital para divulgação e propaganda do jogo, não vale a pena colocar seu jogo lá. Pra loja deve valer, eu fui mais um pequeno que rendeu migalhinhas para eles, mas somando as migalhinhas de milhares de outros como eu deve ter valido de algo para o capital da empresa.

 

Pois bem, retirei o jogo da loja, e eis que me aparecem pessoas entrando em contato, desesperadas, sério, realmente desesperadas, para que eu conseguisse lhes enviar uma chave, ou uma chave de acesso, ou de curador, para que eles ainda pudessem adquirir o jogo pela steam. Eu primeiro respondi que não era preciso, por que o jogo está gratuito no itchio. Eu tirei da loja da steam, mas não da internet, ele está muito bem acessível e gratuito agora. Mas pessoal continuou insistindo, me mandando e-mails atrás de e-mails, sugerindo mil e uma formas, e dizendo que precisavam do jogo na steam. Um deles se identificou reiteradas vezes como "colecionador" da steam. Sim, meus amigos, eles existem, os colecionadores da steam. Eu só consigo pensar no nível de miséria existencial que é a pessoa se enxergar e se definir como um colecionador de jogos da steam.

 

Eu sempre imaginei que isso devia existir: aqueles que querem o jogo na sua conta da steam, que é apenas digital, para ter o selo de "produto original" no seu amontoado de bytes. Para um tipo de público que está assim sendo educado, não serve pegar um jogo, ou uma rom e um emulador, livremente na internet para jogar. Não, ele precisa do selo de "produto original". Pra indústria isso é maravilhoso, pois eles enxergam isso como diferentes segmentos de consumidores. Tem o segmento com mais grana que vai comprar a mídia física, de luxo, etc. E tem o segmento que vai comprar o produto digital, mais barato por eliminar custos de edição, mas nem por isso deseja se sentir excluído dessa "família" de consumidores. Só consigo ver isso também como mais um fenômeno doentio do capitalismo tardio.

 

Tudo isso me faz pensar: talvez eu, junto com outros contemporâneos, tenha vivido ali na internet do final dos anos 90 e começo dos 2000 o último período onde éramos estimulados a ver a tecnologia como uma ferramenta, e não como um guia para nossas vidas. Quem viveu também os primórdios da micro informática (eu não vivi) vai também se identificar com isso. Por que no começo, os computadores, não faziam nada “sozinhos”. Você comprava um computador e precisava aprender a programar ele, a “conversar com a máquina”. pra usar o computador você era obrigado a aprender. De modo análogo, no começo da internet, para achar algo o que fazer nela você precisava aprender a pesquisar. Também a tecnologia, para nós vinha para servir ao ser humano, e não o oposto. Era um conceito humanista a respeito da tecnologia mas não é ele que impera hoje em dia. Plataformas de streaming de áudio visuais, música, jogos, o próprio youtube, e as redes sociais, se tornaram prisões para as pessoas. Essas plataformas pautam o que as pessoas devem ver, assistir, discutir, e por fim pensar. Tudo bem, não somos robôs, ainda (ainda), e ainda (ainda) pensamos um pouco além desse horizonte estreito. Mas parece uma tendência, principalmente para as novas gerações que não vivenciaram uma outra relação entre as pessoas e a tecnologia, sendo o repertório cultural das pessoas cada vez mais restrito a universos. Apesar da internet ser essa ferramenta que ainda (ainda) nos permite ter acesso a bens culturais que antes não podíamos acessar por falta de grana ou distâncias geográficas ou temporais, para a maioria das pessoas ela tem se tornado uma camisa de força que restringe seus horizontes culturais. Os smartfones conseguem ser ainda o meio mais acabado dessa lógica, por que diferente do computador eles dão ainda menos liberdade de criação e pesquisa.

 

É irônico pensar, e parece estranho falar, que a era pós a “revolução dos computadores e da internet” seja a de um retrocesso no acesso a cultura. Mas, para quem pensa a respeito dos destinos do capitalismo isso não surpreende mais: era óbvio que uma forma com potencial emancipador como essa precisava ser domesticada. Mas ainda é preciso falar, em especial para os mais jovens, que é possível fazer também outros usos dessa tecnologia, sem deslumbres ou cegueira futurista. Vou citar aqui um trecho do Manifesto da Arte Anacrônica (Gang do Lixo, 2022) que deixa isso bem claro:

 

                "A realidade, contudo, felizmente é contraditória.

                Feche os olhos e imagine.

                Feche os olhos e imagine Sergei Eisenstein.

                Ou Glauber Rocha.

                Ou Charles Chaplin.

                Ou Leni Riefenstahl.

                Nus e descalços.

                Peles pretas e olhares brilhantes.

                Meninos e meninas do tráfico P2P.

                Imagine.

                Georges Méliès com um smartphone vagabundo nas mãos.

                Imagine."

 

Sim, imaginem George Méliès, o pai da magia do cinema, com um smartfone na mão. Imaginem ele hoje, um jovem morador da periferia da periferia do capitalismo. O smartfone, com sua câmera, seus recursos de áudio e edição, seria com certeza uma ferramenta, uma janela para outros mundos, e não uma prisão. E não, não é toda produção de youtube que realiza isso, infelizmente, pois o logaritmo de views e likes não dá espaço para experimentação criativa, pelo contrário, restringe e homogenia cada vez mais o que é produzido para estes espaços. E um problema da forma: a forma como se organizam e funcionam as plataformas faz um tipo de "seleção cultura" as avessas da seleção natural das espécies, e vai deixando á margem qualquer coisa com potencial estético e de originalidade em detrimento dos conteúdos que fazem mais sucesso. É a TV piorada, nesse sentido, e infelizmente. Também, a hegemonia destas plataformas de stream, numa relação onde as pessoas são sempre consumidores passivos, e não pesquisadores em potencial, cria nas pessoas, em especial os mais jovens que não conheceram o mundo anterior, uma carência de concepções. Eles não vão ver essa tecnologia toda como ferramentas que eles podem usar para mudar o mundo por que simplesmente esse conceito não existe no seu horizonte. A redução de repertório cultural não passa só pela privação de acesso a cultura, mas pela privação dessas concepções humanistas a respeito da tecnologia.

 

Então, jovens, ou também não tão jovens assim, saibam que tudo isso pode ser tomado e utilizado como ferramentas. mas pra isso é preciso ser cringe, é preciso nem Sempre agradar a sua bolha de internet, é preciso se disciplinar para aprender a aprender. Aprender como se aprende, como se pesquisa e como se fixa conhecimento para com autonomia tomar o repertório cultural humano de todas os tempos históricos para si. Também é preciso não ser refém das plataformas: use e abuse delas, não limite seu texto ao limite de caracteres, não poste apenas em uma delas nem se prive de também colocar sua produção pra circular de maneira física, impressa, ou faça qrcodes do seu vídeo, audio, jogo, etc, e coloque pra circular em panfletos ou lambes, faça uma mistura de técnicas e de tempos sem se limitar aos usos que tentam lhe impor. Recomendo muito a leitura do nosso Manifesto da Arte Anacrônica, e também da revista que editamos, principalmente se você é artista, no link abaixo:

https://revistadaanacronia.blogspot.com/2022/08/anacronia-n-1.html


sábado, 13 de agosto de 2022

De novo a questão da nostalgia...

De novo a questão da nostalgia...


Fazer um comentário aqui sobre Nostalgia, dessa vez não a crítica que tenho a ela (isso já tenho feito e fica pra outro dia reelaborar mais uma vez) mas a questão filosofico-existencial do por que ela não é a principal força motriz que me move aos jogos antigos (nem a jogar e muito menos a fazer os jogos pra máquinas antigas).


Esses dias uma moça jovem perguntou no twitter se o que sentíamos ao jogar os video jogos antigos, que jogávamos na infância, era um sentimento nostálgico aconchegante ou um arrependimento por ver que o jogo não é de fato tão bom quanto na nossa lembrança. É fato que ambas as coisas acontecem, e tendo que a acreditar mais a segunda: se o que move a pessoa é a nostalgia então ela pode muito bem se frustrar, por que a lembrança que ela tem da infância não é a penas o jogo mas principalmente o contexto existencial dela naquela época que jogava aqueles jogos: sem preocupações em pagar as contas, com bastante tempo livre, as vezes cercado de amigos que compartilhavam aquela experiência, ou seja a vida era bem menos complicada.


Só que abandonar essa expectativa nostálgica é parte de amadurecer: entender que o tempo não volta, que você se modifica e isso modifica a experiência. Eu posso sentir um pouco de nostalgia, sou humano, mas ela não dura mais do que 2 segundos. Particularmente eu quando arrumo tempo pra jogar os jogos antigos não sinto grande nostalgia ou arrependimento, mas sim uma nova experiência de aprendizado. Agora, com 41 anos de idade, passado por universidades, lido livros, filmes, músicas, eu me tornei uma pessoa bem diferente da criança e adolescente que jogava video games.


Hoje quando jogo os games do passado eu os vejo como linguagem: me interessa ver como os desenvolvedores solucionaram os problemas de level design, programação, e narrativa para tornar o jogo real. Os erros e acertos do jogo, sem por isso achar que ele se tornou ruim. Em fim, é uma questão existencial, o jogo é o mesmo, eu é que não sou mais o mesmo: amadureci e hoje não alimento meu espírito apenas com jogos, mas com outras formas de entretenimento e principalmente arte, e tudo isso me dá outro horizonte e critérios para apreciar essas coisas.


É estranho por que isso destoa da moda atual, que sugere uma eterna infância ou juventude, que diz o tempo todo que amadurecer é ruim, é chato, etc. No fundo, parece que esse mundo do capitalismo tardio que não é mais capaz de oferecer um futuro de recursos materiais mínimos as pessoas (emprego estável, casa, bens materiais mínimos para algum conforto) se expressa na cultura dessa forma: na recusa a se amadurecer. É como se as pessoas no fundo dissessem a si mesmas: "a é, não vão me oferecer essas possibilidades e benesses daquilo que antes era a vida adulta? Então tbm não quero as responsabilidades de me tornar maduro e prefiro extender a minha infância".


Amadurecer não trata do antigo sonho pequeno burguês (que é esse que o capitalismo não pode mais prometer) de casar, ter um carrinho, casal de filhinhos, emprego em escritório, maridinho ou esposinha padrão de beleza. Nada a ver, isso é outra coisa. Amadurecer significa ter experiências de vida e tirar delas crescimento, não só intelectual (que é importante), mas principalmente afetivo. A gente amadurece afetivamente processando as frustrações, as dores, decepções, e alegrias. A existência é múltipla, não é só a da família pequeno burguesa, mas o amadurecimento é algo real que pode ser sentido.


Jovens, não caiam nessa cilada, amadureçam, parem de só jogar joguinho e vão ver cinema (de verdade, não marvel, é só ter vontade de pesquisar e baixar os filmes), ouvir música, ler quadrinhos (de verdade, que realmente expandem a linguagem, não apenas a miséria estética de hq de super heróis, por favor), ouvir música e explorar novos gêneros. A Infância eterna parece ser o mecanismo de defesa natural, mas é a cilada que vai deixar vocês desarmados contra esse mundo que vai ficar a cada ano mais selvagem, por que a onda neo liberal (ou pós neo liberal, seja lá o que for esse monstro que tá tomando forma), é a da uberização, da precarização total da vida, do cidadão que vive numa guerra constante de todos contra todos (é ele contra o mundo), e da pulverização total dos laços sociais (ironicamente conduzido a cabo também pelas tais redes sociais, essas aqui pelas quais vos escrevo). O capitalismo selvagem ja não é mais uma expressão de efeito de uma música, mas é a realidade das ruas.


Uma das versões de meme de circulação popular por esse ano de 2022


sábado, 6 de agosto de 2022

Anacronia Nº 1

Juntamente com outros artistas e intelectuais, disponibilziamos a versão digital do primeiro número de Anacronia, nossa revista de arte para este tempo de vertigem temporal e histórica.

 https://revistadaanacronia.blogspot.com/2022/08/anacronia-n-1.html

#arte #art