Marlow ZX “Post Mortem” ou relatos e reflexões do processo de criação
Depois de trabalhar em Bruxólico, um projeto de um game extenso para o ZX Spectrum, e que ainda teve todo o trabalho de criação de narrativa, livro, infinidade de ilustrações, eu desejava um projeto menor. Achei que o “Marlow in Apocalýptic Acid World” (Marlow no Mundo Ácido e Apocalíptico) seria um projeto rápido e certeiro, para fazer em dois meses de “hyperfoco”. Eu não podia estar mais enganado.
Um clone de Super Mario não é tão simples quanto você pensa
Para os padrões de hoje, Super Mario (1985) parece um game simples, afinal você apenas pula sobre plataformas e inimigos para derrotá-los, não é mesmo? Mas a verdade é que esse tipo de jogo exige uma série de diferentes interações do jogador com diferentes objetos, com os blocos que se quebram, inimigos, powerups, plataformas, etc, etc, etc. Fazer tudo isto caber em um jogo de ZX Spectrum, ou mesmo em um cartucho pequeno de NES como foi o caso de Super Mario (40Kb), é um quebra cabeças enorme que só pode ser montado com planejamento a respeito do que entra, o que fica de fora, e o que deve ser reutilizado várias vezes no game. Fazer o game para PC, como fiz em 2016, é um pouco mais simples, por que você pode dispor de muito mais recursos de gráficos, sons, telas, mas fazer para sistemas de memória limitada é outra história.
“Pixel art de teste para os sprites visando reduzir ao máximo as animações otimizando assim o uso de memória”.
Uma lição de game e level design.
Tanto em seus vários acertos e novidades para a época, quanto seus “erros”, que Shigeru Miyamoto tentou sanar nas versões subsequentes de Super Mario no Nes e Snes, o game de 1985 é reconhecidamente uma lição e exercício de game design. Então minha primeira tarefa foi pensar a respeito disto, entendendo o que eu deveria modificar para meus próprios propósitos e limitações.
As tais mecânicas “simples” de um game como o Marlow não são exatamente “tão simples”, e quando você começa a programar vai percebendo as exceções dentro das exceções que são necessárias no código, tornando tudo bem mais complexo. O jogador quebra blocos com a cabeça, mas apenas quando está “subindo” do pulo, não quando está caindo, Existem diferentes tipos de blocos que dão diferentes itens, mesmo quando o bloco usa o mesmo gráfico (que para evitar desperdício de memória não pode ser repetido). Também tem a interação com os inimigos, sendo que alguns podem ser derrotados com um pulo sobre a cabeça, outros apenas com o molotov, e outros ainda são invencíveis. Pra piorar, Marlow tem 3 formas diferentes, e cada forma traz suas exceções nas interações por conta da velocidade alterada e molotov. E ainda, há as fases da agua, onde o pulo e a velocidade de tudo sofrem alterações. Não esquecer das plataformas móveis em diferentes direções. Quando juntamos tudo, o modesto Zx Spectrum sofre, uma por seu processamento modesto, e outra pelas minhas limitações como programador e do MPAGD, apesar de que tentei otimizar ao máximo estas exceções todas que certamente acrescentaram bastante código no programa.
Uma coisa que se utiliza bastante no projeto de game projeto de níveis é a sobreposição gradual de desafios e obstáculos. Você pega obstáculos e desafios simples, e vai colocando um de cada vez, do mais fácil para o mais difícil, e depois começa a combinar estes de diferentes formas. No Marlow, na atual engine que utilizo (MPAGD Gen2), pude contar com umas 40 telas únicas de jogo, uma quantidade limitada para um jogo dinâmico. Por isso, como de costume, tive de “reciclar” telas, repetindo-as com pequenas alterações como um novo inimigo, ou um bloco com item diferente. Por este motivo que optei por tornar as telas finais da fase (a tela do mastro com antena e a tela que a antecede) como telas padrão, mas também ciente que assim criava certos efeitos: quando o jogador reconhece estas telas sabe que está perto do fim da fase e muda sua sensação de urgência (creio que dependendo da pessoa e também do seu momento anterior no jogo ela pode se sentir aliviada, ou pode ainda aumentar sua tensão).
Super Mario é um game feito para ter rolagem de tela. Já Marlow é feito para ter as principais fases no formato “flip screen”, onde não há rolagem de tela (movimento de câmera) e você passa de uma tela para a outra como se virasse as páginas de um livro. Isto muda algumas considerações nos planejamentos dos desafios: o jogador entra em uma nova tela e tem de olhar e “ler” tudo que está na tela e como os elementos se relacionam, para então decidir o curso de ação. Diferente da rolagem de tela, que vai trazendo novos elementos para o “horizonte” do jogador, exigindo uma adaptação mais dinâmica, aqui o jogador quase que separa esses atos: o de identificar os elementos e o de agir. No entanto, quando ele chega ao fim da tela e “vira a página”, uma nova tela se apresenta trazendo vários elementos de uma só vez, exigindo que ele pense muito rápido ou pare para pensar. O resultado acredito ser essa quase separação entre avaliar e agir, coisa que em um jogo de rolagem de tela acontece em simultâneo só que mais fragmentado, pois o jogador não tem esse momento da “visão global” da tela em separado. É algo que remete ao efeito “virada de página” de um livro ou história em quadrinhos, e me trouxe a mente as estratégias de surpresa, quebra e continuidade, que existem nestas outras linguagens.
As limitações de memória e necessidade de “recilar” gráficos e código, também me fizeram pensar a respeito dos “chefões” do jogo. Super Mario também recicla muito das telas e conteúdos para caber em 40 kb, ao ponto de que os 8 chefes de fase são sempre o mesmo: Bowser sobre uma ponte no castelo, ou falsos Bowser se preferir, sendo o oitavo o derradeiro vilão, sempre no castelo. Sendo assim me senti confortável de também repetir elementos: no lugar de castelos Marlow tem torres, e os chefões de fase são diferentes (apesar de que no fundo bem similares utilizando a Sprite do olho), sendo as torres que os precedem são iguais. Assim como em Super Mario, a batalha de chefões é curta (apesar de pouco e gradualmente mais longas), servindo mais como um marco de finalização de etapa do que um desafio extenso. Não à toa eu coloquei a dificuldade maior na parte do elevador que sobe a torre, mantendo os chefes relativamente fáceis de serem derrotados.
“Captura de tela do primeiro chefão de Marlow”
Para finalizar essa parte, queria falar sobre as fases. Eu também criei uma estrutura semelhante de fases à do primeiro Super Mario, onde em cada um dos 8 mundos se repete basicamente a mesma sequência: uma fase na superfície, uma segunda fase no subterrâneo ou dentro da água, uma terceira fase em “colinas altas” ou com mais buracos sem fundo, e a quarta fase dentro do castelo com o chefe ao final. Em Marlow então optei por ter também a fase de superfície em primeiro lugar, seguida da fase subterrânea ou dentro da água, com a terceira fase simulando uma “rolagem forçada” horizontal (para adicionar variedade e ter uma fase diferente, gastando pra isso algum código extra, mas economizando muitas telas), com a fase da torre substituindo as fases do castelo. Outro detalhe importante, nos primeiros jogos do Mario as fases não tem nomes, apenas números: 1-1, 1-2, 1-3, etc. O game exibe o número do “Mundo” seguido do número da fase ou estágio. Algo que vai mudar em Super Mario World de Snes, que tem áreas com títulos próprios, dando mais personalidade a elas. Mas minha inspiração para os nomes das fases de Marlow veio curiosamente de outro lugar: Sonic the Hedgehog de Mega Drive. Acredito que Sonic evoluiu essa ideia dando às fases nomes que contribuem para criar o universo do jogo. Funcionam como o título uma pintura em uma galeria: o título do trabalho de arte pode ser um elemento importante capaz até mudar o sentido da imagem que se vê. Foi com isso em mente que escolhi os nomes das fases, inclusive gastando uma memória preciosa já que todo texto “custa caro” em termos de memória na programação do jogo no MPAGD.
Elementos da narrativa e referências culturais
Queria começar essa parte falando de algo que eu prezo, e cuido bastante, que é sempre fazer um mínimo de pesquisa sobre as referências culturais as quais me aproprio para criar meu game ou qualquer outro trabalho de arte. E faço isso por dois motivos: uma por que considero ser o mínimo, “o dever de casa” de qualquer criador consciente, e também por que quero ter cuidado e respeito com objetos ou culturas de grupos os quais eu por vezes nem me insiro. Esses dias alguém comentou numa rede social que achou “genial” o uso que fiz das músicas, e que já expus em detalhes aqui no blog. Eu fiquei pensando um tempo, por que honestamente não me considero gênio, e não é falsa modéstia. Como eu disse, o que eu fiz eu considero como o “dever de casa”, a pesquisa mínima a ser feito. Não precisa ser uma pesquisa aprofundada, mas o básico como fazer uma busca na internet, ler algo na wikipedia, e anotar as informações principais. Coisa que para as músicas do Marlow eu fiz em uma manhã. Quando me chamaram de gênio por fazer o básico eu me perguntei: se pessoas acham isso genial será que eu sou a pessoa de um olho só no meio de cegos? Realmente espero que não, é mais uma falta de prática de muita gente mesmo.
Bom, Marlow é um anarquista em um futuro apocalíptico e distópico. Vale dizer que eu não sou anarquista, nem grande leitor de Bakunin e outros pensadores do campo. No máximo eu tenho uma índole individual que bebeu da cultura punk dos anos 80, que “exalava” fragmentos do pensamento anarquista, mas também de um niilismo típico do grunge dos anos 90, fontes de onde eu bebi direta ou indiretamente. Mas tentei representar o anarquismo de Marlow com o respeito que qualquer cultura ou pensamento merece. Se Alan Moore pode se utilizar dessas referências como fez na criação de “V de Vingança”, por que eu não poderia fazer algo semelhante?
Mas voltemos ao Super Mario. Refletindo a respeito cheguei a uma conclusão que pode até já ser óbvia mas que nunca havia pensado: o mundo que Miyamoto criou é claramente inspirado em Alice no País das Maravilhas, mais na Alice da Disney do que na de Lewis Carroll, é preciso frisar. Sendo essa uma inspiração direta ou indireta, o fato é que Super Mario ainda carrega algo de um surrealismo quase lisérgico, claro que bastante atenuado para um público infantil projetado pela indústria cultural. Tendo isso em mente, é claro que Marlow também precisava ter esse carácter ainda mais explícito, não por acaso que eu coloquei de forma dúbia o “Acid” no subtítulo do game.
Uma ideia central que tenho desde quando comecei a fazer games, em 2013, é a de pegar gêneros e estilos clássicos de games (clássicos para mim), como Super Mario, Castlevania, Mega Man, e outros, copiar suas mecânicas de jogo mas inserindo meu niverso autoral, com personagens e situações narrativas que me interessem e que sejam culturalmente mais diversos. Veja bem, eu adoro estes games, eles me marcaram, e eu ainda consigo jogar eles (quando me sobra tempo e paciência). Mas agora tenho 43 anos e duas faculdades nas costas, e eu consigo reconhecer que eles não tem um conteúdo adulto, são no máximo produtos voltados para pré-adolescentes, apesar de por vezes terem sim um potencial para algo mais.
E esse é um dos princípios de Marlow: ser como um jogo de Super Mario na forma de jogar, mas subvertendo seu conteúdo. No lugar de um personagem meio “inofensivo”, à moda Disney, como o encanador da Nintendo, temos Marlow, um anarquista que arremessa coquetéis molotov e ataca a burguesia. No lugar do “mundo do cogumelo” fofinho, temos um mundo apocalíptico, um tanto surrealista e lisérgico como em Mario mas um conteúdo diferente. Saem os castelos, representação da monarquia que perdeu o poder para a burguesia no passado, e entram as “torres panóptipas”, de onde os não mais “chefes” (bosses), mas “senhorios” (Landlords), vigiam aquele mundo ou sociedade.
Preciso também falar um pouco das músicas e em como elas compõem esse mundo e seu diálogo com a história do anarquismo e com a trilha sonora de Super Mario. Sabemos que o jogo de 1985 da Nintendo tem faixas icônicas e bem marcantes. O game inicia as fases de superfície com uma música “pra frente”, em escalas maiores, que cria no jogador uma vontade e avançar. Já as fases de subsolo tem uma música que cria tensão, expectativa, que diz ao jogador que ele deve agir com certa precaução. A trilha da água é uma valsa, com sua métrica musical de 3/4, mais lenta acompanhando o movimento do jogador na água. Por fim, a música dos castelos é a de maior tensão, alertando o jogador de que está dentro da base do inimigo. De certo modo eu busquei essa mesma estrutura, levando em conta também as origens de cada música.
Como eu já havia publicado aqui no blog, as músicas de Marlow não são criações minhas. São todas melodias de músicas anarquistas ou de resistência de esquerda ou antifascista dos séculos XIX e XX. Fazia todo o sentido escolher estas músicas, pois elas contribuem para a relação do personagem do Marlow com a tradição anarquista. Todas músicas são de domínio público, e muitas vezes pegavam emprestadas melodias de outras canções populares e ainda mais antigas. Eu pesquisei e escutei estas, e outras mais, e depois fiz a seleção levando em conta o que já falei das músicas de Super Mario no parágrafo anterior. A única música que foge disso é Bella Ciao, que utilizo nas fases de rolagem horizontal forçada. Aqui, a relação veio de Super Mario 3 de NES, que tem fases desse tipo, com uma música acelerada que cria uma sensação de urgência. Por fim eu escrevi e programei a versão para o chip de som do ZX Spectrum (3 canais de ondas quadradas e ruído branco) de cada uma das músicas escolhidas, ajustando seu tempo e ritmo à minha necessidade, mas mantendo a melodia reconhecível. Os detalhes de cada faixa estão na síntese da pesquisa que fiz e publiquei no blog e no arquivo “leia-me.txt” do game (clique aqui para acessar).
Videogame Anacrônico
Como capítulo final deste Post Mortem do game, quero lembrar do diálogo deste trabalho com o “Manifesto da Arte Anacrônica”, do Grupo Gang do lixo, do qual participei, e que foi redigido principalmente pelo meu amigo Luiz Souza. Ele sintetiza bem coisas que estão no espírito do nosso tempo, e que são cada vez mais urgentes, ainda mais diante de mudanças desumanizantes do capitalismo como essas tecnologias de IA. Indico a leitura do manifesto (clique aqui para ler o manifesto) para todo aquele que se interesse pelos parágrafos seguintes.
Como o Luiz Souza sintetizou bem, nunca antes na história tivemos um acúmulo de cultura reprodutível e de certo modo acessível como tem sido na era da internet. Podíamos já ter o livro e a pintura, mas o Cinema, a música gravada, os impressos baratos como a literatura de jornal e as histórias em quadrinhos, nos deixaram um acúmulo variado e de toda qualidade, em parte por sua reprodutibilidade e posterior digitalização e disponibilidade na internet. Sim, muito “Lixo” da indústria cultural formou a minha geração, em especial no terceiro mundo onde tivemos pouco a cesso a outros bens culturais que pudessem contrabalancear os enlatados que passavam na TV. No entanto, nos tornamos especialistas no lixo cultural: catando fragmentos interessantes, citações de obras outras clássicas ou contemporâneas no meio do desenho animado matinal, do vídeo game, na música do rádio, etc. Garimpeiros do lixo cultural. Lembrando que como em qualquer garimpo, a coisa se dá meio violenta e carregada de problemas. Voltarei ao assunto do Manifesto da Arte Anacrônica antes de terminar.
Uma das inspirações para Marlow é o trabalho do meu amigo Pedro Paiva (Clique aqui para acessar o Blog do Pedro). O Pedro tem realizado um trabalho muito, mas muito importante no videogame nacional. Independente como eu, ele articula referências da cultura pop, em especial das periferias, com referências da história da arte e de suas leituras políticas com um humor fantástico, sem se prender a modismos, fazendo um trabalho realmente independente. Fora suas reflexões e experiências com fliperamas e o videogame na rua. O que o Pedro faz é para mim videogame anacrônico no sentido do manifesto já citado. Preciso deixar claro que quando criei a primeira versão de Marlow em 2016, foi também inspirado pelo trabalho do Pedro.
Agora retomando, o Manifesto da Arte Anacrônica foi finalizado e publicado em 2022 não por acaso: eram os cem anos do Manifesto Modernista, documento da história da arte brasileira que repercute até hoje, ecoando em movimentos como o da tropicália e do manguebeat, ambos em seu tempo atualizando e aproximando suas ideias para realidade social brasileira de seu tempo. Digo isso pra que fique claro: nosso manifesto de 2022 também traz em seu conteúdo político a ideia antropofágica de dar a devida importância para a cultura local, sem se fechar ou deixar de “comer” a cultura do outro. Mas, como bem está escrito lá, agora é preciso antropofagizar não só através do espaço geográfico, do outro como estrangeiro, mas também antropofagizar no tempo: os outros também somos nós mesmos no tempo.
Isso já acontece, mesmo de forma inconsciente, e ficou ainda mais clara a assertividade disso a partir de 2023 com o “boom” das tecnologias de automatização de imagens e outras produções. As tais I.A.s (sic), que não são inteligências conscientes como alguns pensam, mas programas de automação na geração de produtos culturais que se apoiam em bancos de dados gigantes da produção humana de imagens, textos, vídeos, e outros disponíveis na internet, articulados por algoritmos e tecnologia que reconstrói algo a partir de fragmentos. Essas tecnologias “comem” toda essa cultura da qual o Manifesto da Arte Anacrônica se refere, e literalmente vomita uma maçaroca. Muito dentro do espírito do nosso tempo, esse é um uso anacrônico inconsciente das pessoas por estas ferramentas (eu quis dizer que as pessoas usam as I.A.s ou que as I.A.s usam as pessoas? Nem eu sei). O manifesto se torna ainda mais atual, na medida que ele chama as pessoas para assumirem uma postura consciente na criação cultural antropofágica no tempo e espaço. Precisamos conscientemente utilizar esse repertório de produção humana que vem sido roubado por grandes monopólios de tecnologia, mas como seres humanos, para seguir criando arte humana diante da enxurrada de produção automatizada e vomitada que vai cair sobre nossa cabeça.
Acredito que o game do Marlow para Zx Spectrum é minha tentativa mais recente nesse sentido, assim como são emus trabalhos anteriores e também os do Pedro e de outros amigos artistas de diversas áreas que também seguem na mesma linha. Acho que contra esse futuro de I.A. (sic) é preciso criar reapropriando e utilizando o repertório cultural humano de que o Manifesto da Arte Anacrônica trata e do qual tentam nos alienar, nos inundando com produtos de quinta mão. Cultura ultra processada é a nova etapa do capitalismo das I.A.s (sic), um passo além dos enlatados dos anos 80 e 90. Eu sempre falo, ao criar jogos novos para máquinas obsoletas, da obsolescência programada e o quanto ela é contra produtiva no sentido do avanço estético. Mas o que esse futuro de I.A. (sic) tende a fazer já nem é tornar culturas obsoletas, mas tornar certas camadas sociais (sempre as mais de baixo, e agora finalmente chegou a vez da camada proletária da “classe média”) elas sim obsoletas no capitalismo. Quando você se tornar obsoleto, o que sobra?
Finalizo com um apelo de acordo com o Manifesto da Arte Anacrônica: faça arte, faça suas criações, com os materiais e habilidades que você tiver a sua disposição, não importa se são o lixo ou se você acha que o que faz é ”feio”. Qualquer produto “feio” humano é melhor que maçaroca de I.A. (sic). Tenha índole de terceiro mundista, de quem vive das sobras do capitalismo, no subúrbio e periferias urbanas: faça com a matéria prima que tem à sua disposição. Se eu fosse esperar as condições ideais eu nunca teria feito um único game se quer, também não teria largado o emprego de bancário e feito faculdade de artes, não teria produzido tudo que produzi nesse tempo e mesmo antes. Desde a da infância desenhando com a caneta e o papel que tivesse a mão, mesmo que fosse folha pautada ou santinho de publicidade, seguindo o exemplo de meu pai que eu via sempre desenhando em qualquer papel ou tempo livre que lhe sobrava. Também busque conscientemente se apropriar do acúmulo cultural humano que está na internet, pois ainda (ainda) é o que temos disponível. Não espere, e não tenha preciosismo com matéria prima seja ela material ou cultural.
Amaweks, Florianópolis, outubro de 2024
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