quarta-feira, 20 de novembro de 2024

The Method is Part of the Work, and I Choose It Consciously


The Method is Part of the Work, and I Choose It Consciously


I felt like sharing something about my "method" of creating art, which perhaps not many people notice. Not because of anyone's "fault" or a failure on my part, but because there’s something about my work that isn’t just in the result itself, but it’s also in the means by which it is produced. This is not a new discussion in art studies, but my effort is to speak less to specialized audiences and more to people in general.

Preparing handcrafted booklets to take to fairs.


Getting straight to the point: I have never waited for ideal conditions or materials to bring an artistic idea to life. As far back as I can remember, I’ve adapted the tools and materials at hand to make things possible. To illustrate: if I didn’t have special pens and paper, I’d draw with ballpoint pens on scrap paper; if I didn’t have the right stapler for booklets, I’d invent a way to make them with a regular stapler. If I didn’t have a band to record my compositions, I’d program instruments on a computer, record guitar and vocals in a bathroom using a PC microphone and cardboard boxes, then edit the tracks and make a handmade CD of my songs. Similarly, when I lacked a team or the programming expertise to create a game, I used a "simple" game engine that I could learn and work with. In short, I work with whatever I have at hand.

For many years - decades, really - I’ve been aware of this: my method isn’t tied to style/technique A or B, or to drawing or painting, or to using this or that material. No, my approach is that "third-world" practice of squeezing blood from a stone. What defines my work is that I don’t rely on specific techniques, tools, or materials, but rather on doing things without money, adapting and often subverting materials and their intended uses.

I also know this is not unique to me; this is a common practice in the Global South. We cannot wait for ideal tools or equipment, which take ages or never arrive, so we use creativity to adapt and make things happen however we can.

My friend and fellow artist Luiz Souza best defined this "ethos" in his 2022 Manifesto of Anachronic Art. Of course, he delves much deeper, capturing and synthesizing much more of the spirit of our time, as self-cannibalizing capitalism becomes increasingly decadent and patched up with technological gadgets. In the Global South, we have always recycled the waste of the "metropoles" - both material and immaterial, especially from the imperialist cultural industry. We are scavengers of cultural trash that flows from the "metropoles" to us, the "colonies." Luiz’s work, mine, and that of other artists we know fall under anachronic art for many reasons. I highly recommend reading his manifesto to reflect more deeply on these issues (portuguese only, try a translator).

Thus, my approach - adapting and using materials to make works possible within my limits of time, physical ability, and financial resources - is an integral part of the work, not just the final result. Aware of this, I’ve long taken it upon myself to share this process as an example, especially for younger people or those from similar social classes. Without arrogance, I see this as a pedagogical task. I strive to do this without glorifying precarity; of course, when I have access to better materials and tools, I use them. And I wouldn’t turn down better financial conditions to enable my projects. But I can’t sit around waiting for that miracle - life moves on, and I need to create.

Sometimes, I even make a point of embracing the precariousness to highlight this pedagogical and independent aspect of my work. Why make booklets by hand if I could have them printed professionally? Why create musical instruments out of scrap when I could buy proper materials and tools for luthiery? Why make a game for 1980s computers when modern ones have no graphical or memory limitations? Well, one reason is to reduce costs, time, and production complexity. Another is to show that it’s possible - and desirable - to create autonomously without waiting for perfect conditions. I have no issue with my work achieving some "success" and earning decent money (which hasn’t happened yet), but I don’t care if my game or any other art of mine doesn’t conform to industry trends or isn’t considered a "professional" product by market standards.

This reminds me of something I’ve said before but want to repeat: the industry, especially the cultural industry, is very effective at creating "quality standards" that alienate lower-class people from artistic production. Don’t let this hold you back. Forget the industry’s standards - what theyr products may offer in production quality, which money can buy, they lose in creativity, authenticity and connection to real people, as they aim for imaginary "audiences."


Anakrônik Arcade Machine: practical and a work of art in itself.
(Inspired by Pedro Paiva’s work - check out his blog.)


To wrap up, since I currently focus primarily on game creation, it’s important to note that I make these retro, anachronic games in the style of 1980s and 1990s video games not so much out of nostalgia but out of this third-world ethos. I use a game engine like MPAGD to make games for ZX Spectrum and MSX, not because I’m nostalgic for something I didn’t live through (and I didn’t, despite my age; while I grew playing Atari 2600, I only discovered these 1980s 8-Bit computers and their games in the 2000s through the internet and emulators). Rather, I do this because it’s accessible: the "precarity" and memory limitations force a project scope that I can realistically achieve with limited time and resources.

Yes, I’m a nerd for old video games, and I love the challenge of making games within the graphical and processing constraints of those systems. But as an artist conscious of my method and how it’s inseparable from the final product, I’m also driven by aesthetic and ethical motivations in art. I "enjoy" using precarious materials, but not merely out of preference or ecological recycling concerns, as with my musical instruments. My motivations are rooted in social struggle, social class, our place in the world we must navigate, and the necessity of getting the most out of the least.


A mix of decades-old "obsolete" technologies.



O método é parte do trabalho, e eu escolho de forma consciente.


 O método é parte do trabalho, e eu escolho de forma consciente.

(for English version click here)

 

Me deu vontade de explicitar aqui algo do meu “método” de criar arte, que talvez poucas pessoas percebam. Não por "culpa" de ninguém, nem uma falha minha, mas é que tem algo do meu trabalho que não está apenas no trabalho em si, mas já pelos meios em que o trabalho é produzido. Essa é uma discussão já realizada no meio das artes, não é nova, mas meu esforço é falar menos com o público especialziado, e sim com as pessoas em geral.


 

Preparando livrinhos artesanais para levar à feiras.


 

Indo direto ao ponto: eu nunca esperei pelas condições ou materiais ideais para realizar uma ideia de criação artística, e desde que me lembre adapto os materiais e ferramentas para tornar a coisa possível. Vou exemplificar: se eu não tinha uma caneta e papel especial, desenhava com esferográfica e folha de formulário; se não tinha um grampeador ideal para fazer livrinhos, criava uma técnica pra fazer o livrinho com grampeador comum; se não tinha banda para tocar e gravar minhas composições, gravava e programava os instrumentos no computador, gravando guitarra e voz no banheiro, dentro de caixas de papelão com microfone de PC, editava as faixas e criava um CD artesanal com minhas composições; ou quando não tive equipe com programador, ou a expertise de programação, para me ajudar a criar um game, utilizei uma “engine” simples qye me era possível de aprender e utilizar, só pra dar alguns exemplos. Eu faço com o que tenho a mão.

 

E já a muitos e muitos anos, décadas, que eu tenho consciência disso: meu método não é o estilo/técnica A ou B, fazer desenho ou pintura, usar esse ou aquele material, não, meu procedimento é aquele “terceiro mundista” de tirar leite de pedra. O que define meu trabalho é que eu não me prendo a técnias, ferramentas ou materiais específicos, mas realizar as coisas sem ter dinheiro, adaptando e por vezes até subvertendo os materiais e seus usos.

 

Sei também que isto não é uma exclusividade minha: esse é um procedimento típico no terceiro mundo. Não temos como esperar pelos equipamentos ou ferramentas ideais, que aqui demoram ou nunca chegam, então usamos a criatividade para adaptar e fazer do jeito que for possível.

 

Meu amigo também artista Luiz Souza é quem melhor definiu essa “índole” ao redigir o “Manifestoda Arte Anacrônica”, em 2022. Claro que ele traz coisas muito além, captando e sintetizando muito mais do espírito do nosso tempo, na medida em que o capitalismo autofágico se torna mais e mais decadente e remendado com bugigangas tecnológicas. No terceiro mundo nós sempre reciclamos o lixo das metrópoles, tanto o lixo material quanto o imaterial, principalmente da indústria cultural imperialista. Somos catadores de lixo cultural que emanam das “metrópoles” para nós, as “colônias”. O trabalho do Luiz, o meu e de outros artistas que conhecemos, se enquadram como arte anacrônica por vários de seus motivos. Mas aconselho a ler o manifesto no link acima, para melhor refletir sobre estas questões.

 

Sendo assim, meu procedimento, a forma de adaptar e usar os materiais para tornar os trabalhos possíveis dentro dos meus limites de tempo, físicos, e de grana, é parte integrante do trabalho, e não apenas o resultado final. Consciente disso, a tempos que tomei por tarefa mostrar um pouco desse procedimento para dar o exemplo, principalmente para aqueles mais jovens e/ou oriundos da mesma classe social. Sem arrogância, eu encaro isso como tarefa pedagógica. Me esforço a fazer isso sem realizar uma apologia à precariedade, pois é claro que quando tenho acesso a melhores materiais e ferramentas eu as tomo em minhas mãos. Nem dispensaria uma condição financeira melhor para viabilizar meus projetos, mas não posso esperar sentado por esse milagre, pois a vida passa, e eu tenho nececidade de criar.

 

Muitas vezes até faço questão da coisa mais precária, para não abandonar e explicitar esta face pedagógica e independente de meu trabalho - Por que fazer os livrinhos de forma artesanal se posso pedir eles prontos na gráfica? Por que criar instrumentos musicais com sucatas, se eu poderia comprar materiais e ferramentas de luthieria? Por que fazer um game para computadores dos anos 80 se nos computadores modernos não há limitações gráficas e de memória?  - Uma para reduzir custos/tempo/estrutura de produção, e outra para mostrar que dá e é desejável fazer com autonomia e sem esperar as condições perfeitas. Nada contra minha produção alcançar algum “sucesso” e me render uma grana digna (o que ainda não acontece), mas dane-se se meu game, ou qualquer outra arte minha, não pode circular nos meios da moda ou ser considerado um produto "profissional" aos moldes do mercado.

 

E isso me lembra algo que já falei antes mas quero repetir: a indústria, em especial a indústria cultural, é bastante eficaz em criar “padrões de qualidade” que alienam as pessoas de classes inferiores da produção artística. Então, não se prendam por isto, dane-se os padrões da indústria, o que eles de fato tem de qualidade de produção que o dinheiro pode comprar, perdem em autenticidade e diálogo com a realidade das pessoas, pois miram em "públicos” imaginários.



Fliperama Anakrôniko, prático e objeto de arte em si.
(Inspirado no trabalho do Pedro Paiva, veja em seu blog)


 

Pra fechar, já que atualmente me dedico prioritariamente à criação de games, é preciso lembrar que faço este jogo retrô, anacrônico, aos moldes do videogame dos anos 80 e 90, muito menos por nostalgia, e mais por esta índole terceira mundista. Eu utilizo um motor de jogo como o MPAGD, e faço jogos para o ZX Spectrum e o MSX, não por saudade do que não vivi (e de fato não vivi, apesar de velho e ter conhecido videogames com o Atari eu só fui conhecer estes computadores dos anos 1980 e seus jogos a partir dos anos 2000, através da internet e emuladores), mas por que me é acessível: a “precariedade” e limitações de memória me obrigam a um escopo de projeto possível de ser realizado sem ter muito tempo ou dinheiro para tanto.

 

Sim, eu sou nerd de videogames antigos, e também adoro o desafio de fazer os jogos dentro das restrições gráficas e de processamento destes. Mas como artista consciente do meu método, e de que ele não se desvencilha do produto final, sou movido também por motivos estéticos e éticos da arte. Eu “gosto” de usar o material precário, mas não é apenas por gosto, nem apenas por espírito “ecológico” de reciclagem como no caso de meus instrumentos musicais, mas sim por motivações de cunho social, de classe social, de condição dentro do mundo em que temos de viver, e de uma necessidade de tirar o máximo do mínimo.



Mix de décadas de tecnologias "obsoletas" 




terça-feira, 19 de novembro de 2024

XIV Retro SC, Florianópolis, Novembro de 2024

XIV  Retro SC, Florianópolis, Novembro de 2024

Como de costume, mais uma Retr oSC. É sempre legal ir e rever a galera que já tem participado a muitos anos (eu desde 2018) deste evento que só cresce, e também conhecer outras pessoas. nas edições recentes se abriu espaço para desenvolvedores de jogos retrô, não importando se os jogos são feitos para sistemas modernos ou não, desde que remetam aos jogos do passado de alguma forma, e então agente vai conhecendo outros desenvolvedores da região.

Abaixo um breve registro de minha presença no evento:


Até a próxima retro SC...


quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Marlow ZX “Post Mortem” or Reports and Reflections on the Creation Process

(Para ler o texto em português clique aqui)


Marlow ZX “Post Mortem” or Reports and Reflections on the Creation Process


Buy the game on itchio: https://amaweks.itch.io/marlow-zx

After working on Bruxólico, a big game project for the ZX Spectrum, which also involved all the work of creating a narrative, book, and countless illustrations, I wanted a smaller project. I thought that Marlow in Apocalyptic Acid World would be a quick and straightforward project, something to complete in two months of "hyperfocus." I couldn’t have been more wrong.



A Super Mario clone is not as simple as you may think


By today's standards, Super Mario (1985) seems like a simple game. After all, you just jump on platforms and enemies to defeat them, right? But the truth is that this type of game requires a series of different interactions between the player and various objects, such as breakable blocks, enemies, power-ups, platforms, etc., etc., etc. Making all of this fit into a ZX Spectrum game, or even a small NES cartridge like Super Mario (40Kb), is a huge puzzle that can only be solved with careful planning about what to include, what to leave out, and what should be reused multiple times in the game. Making the game for PC, as I did in 2016, is a bit simpler because you have access to many more resources for graphics, sounds, screens. But making it for systems with limited memory is a whole different story.


“Test pixel art for sprites aiming to minimize animations and thus optimize memory usage”.



A lesson in game and level design


Both in its many successes and innovations for its time, as well as its "mistakes," which Shigeru Miyamoto tried to fix in subsequent versions of Super Mario on the NES and SNES, the 1985 game is widely recognized as a lesson in game design. So, my first task was think about this, trying to understanding what I should modify for my own purposes and limitations.

The so-called "simple" mechanics of a game like Marlow are not exactly "that simple," and as you start programming, you begin to notice exceptions within exceptions that are needed in the code, making everything much more complex. The player breaks blocks with their head, but only when they are "rising" from the jump, not when they are falling. There are different types of blocks that give different items, even when the block uses the same graphic (which, to avoid wasting memory, cannot be repeated). There's also the interaction with enemies: some can be defeated by jumping on their heads, others only with the Molotov, and some are invincible. To complicate matters, Marlow has 3 different forms, and each form brings its own exceptions in interactions due to altered speed and the Molotov. And then there are the underwater levels, where jumping and the speed of everything are modified. Not to mention the moving platforms in different directions. When you combine all of this, the modest ZX Spectrum struggles, partly because of its limited processing power and partly due to my limitations as a programmer and the MPAGD engine, although I tried to optimize all these exceptions, which certainly added a lot of code to the program.


“Planning to fit the screen sequence into the limited MPAGD map, which provides space for 8x16 screens for the full map”.


A common practice in game and level design is the gradual layering of challenges and obstacles. You take simple obstacles and challenges, introducing them one at a time, from the easiest to the hardest, and then start combining them in different ways. In Marlow, with the current engine I use (MPAGD Gen2), I was able to get about 40 unique game screens, a limited amount for a dynamic game. Therefore, as usual, I had to "recycle" screens, repeating them with small changes, like a new enemy or a block with a different item. For this reason, I chose to make the final screens of the level (the screen with the antenna mast and the one before it) as standard screens, but also aware that this creates a certain effect: when the player recognizes these screens, they know they are close to the end of the level, which changes their sense of urgency. I believe, depending on the person and their previous moment in the game, this can either bring a sense of relief or increase their tension.



“Hand made level planning for the first stage of episode 2 with screen repetitions and modifications”

Super Mario is a game designed with screen scrolling in mind. Marlow, on the other hand, is designed for its main stages to use the "flip screen" format, where there is no screen scrolling (camera movement) and you move from one screen to another as if flipping the pages of a book. This changes some considerations when planning the challenges: the player enters a new screen and must look and "read" everything in front of him, understanding how the elements relate to each other, and then decide on a course of action. Unlike screen scrolling, which brings new elements into the player's "horizon," requiring more dynamic adaptation, here the player almost separates these actions: identifying the elements and then acting. However, when they reach the end of the screen and "turn the page," a new screen presents itself with many new elements at once, requiring quick thinking or a pause to reflect. The result, I believe, is this almost distinct separation between evaluation and action, something that happens more simultaneously in a scrolling game but in a more fragmented way, since the player doesn’t have that first moment of seeing the entire screen at once. This is something that reminds me of the "page-turning" effect of a book or comic, and it brought to mind the strategies of surprise, breaking, and continuity present in those other media.

The memory limitations and the need to "recycle" graphics and code also made me think about the game's "bosses." Super Mario also recycles a lot of screens and content to fit into 40 KB, to the point that the 8 stage bosses are always the same: Bowser on a bridge in the castle, or false Bowsers, with the eighth being the final and true villain, always in his castle. Thus, I felt comfortable repeating elements as well: instead of castles, Marlow has towers, and the stage bosses are different (though fundamentally similar, using the eye sprite), with the towers preceding them being the same. Just like in Super Mario, the boss battles are short (though slightly and gradually longer), serving more as a stage-ending marker than an long challenge. It’s no coincidence that I placed the higher difficulty in the elevator section that ascends the tower, keeping the bosses relatively easy to defeat.


“Screenshot of the first boss in Marlow”


To conclude this part, I wanted to talk about the stages. I also created a structure similar to the one in the first Super Mario, where each of the 8 worlds essentially repeats the same sequence: an "overworld" stage, a second underground or underwater stage, a third stage on “ hills” or with more bottomless pits, and the fourth stage inside a castle with a boss at the end. In Marlow, I also chose to have the overworld stage first, followed by an underground or underwater stage, with the third stage simulating a "forced horizontal scroll" (to add variety and have a different kind of stage, using some extra code but saving many screens), and the tower stage replacing the castle stages.

Another important detail: in the early Mario games, the stages don’t have names, just numbers: 1-1, 1-2, 1-3, etc. The game displays the “World” number followed by the stage number. This changes in Super Mario World on the SNES, where areas have their own titles, giving them more personality. However, my inspiration for naming the stages in Marlow came from another source: Sonic the Hedgehog on the Mega Drive. I believe Sonic evolved this idea by giving stages names that contribute to create the game’s universe. They function like the title of a painting in a gallery: the title of an artwork can be an important element, even changing the meaning of the image. With that in mind, I chose the names for Marlow's stages, even though it eats up precious memory, as all text is “expensive” in terms of memory in the game’s programming within MPAGD.



Narrative elements and cultural references


I wanted to start this part by talking about something I value and take great care with, which is always doing at least a fast research on the cultural references I use to create my game or any other work of art. I do this for two reasons: one, because I consider it the bare minimum, the “homework” of any conscious creator, and also because I want to be careful and respectful towards objects or cultures from groups I may not belong to. Recently, someone commented on social media that they found my use of music in Marlow "brilliant," which I’ve already detailed here on the blog. I thought about it for a while because, honestly, I don’t consider myself a genius, and this isn’t false modesty. As I said, what I did I see as the "homework"— the minimum research that should be done. It doesn't have to be in-depth research, but the basics, like doing a quick internet search, reading something on Wikipedia, and taking notes of the the main information. For Marlow's music, I did all of this in one morning. When someone called me a genius for doing the basics, I wondered: if people think that’s genius, am I the one-eyed man in the land of the blind? I really hope not; it's more that many people simply lack the practice.

Well, Marlow, the main character, is an anarchist in an apocalyptic, dystopian future. It's worth mentioning that I’m not personally an anarchist, nor a great reader of Bakunin or other thinkers in the field. At most, I have an personal nature that was influenced by the punk culture of the 80s, which "exuded" fragments of anarchist thought, as well as a typical 90s grunge nihilism — both sources I drew directly or indirectly as a teen. But I tried to represent Marlow's anarchism with the respect that any culture or ideology deserves. If Alan Moore can use these references, as he did in creating V for Vendetta, why couldn't I do something similar?

But let's go back to Super Mario. Reflecting on it, I came to a conclusion that might be obvious but had never crossed my mind: the world Miyamoto created is clearly inspired by Alice in Wonderland, more the Disney version than Lewis Carroll’s, it’s important to note. Whether this was a direct or indirect inspiration, the fact is that Super Mario still carries a kind of surrealism that’s almost psychedelic, although significantly toned down for a children’s audience crafted by the cultural industry. With this in mind, it’s clear that Marlow also needed to have this surrealism character even more explicitly. It’s no coincidence that I ambiguously included "Acid" in the game’s subtitle.



“On the left, Disney's Alice (1951) in a world with giant mushrooms and strange creatures, on the right, a scene from the Super Mario movie (2023)”


An idea I’ve had since I started making games in 2013 is to take classic game genres and styles (at least classic to me), like Super Mario, Castlevania, Mega Man, and others, replicate their gameplay mechanics, but insert my own original universe, with characters and narrative situations that interest me and are culturally more diverse. Now, I love these games — they left a mark on me, and I can still play them (when I have the time and patience). But now I’m 43 years old and I can recognize that they don’t have adult content — they are at most products aimed for teens, although they sometimes do have potential for more.

And this is one of Marlow's principles: to play like a Super Mario game, but changes for a more mature content. Instead of a somewhat “harmless” character, in the Disney mold, like Nintendo’s plumber, we have Marlow, an anarchist who throws molotov cocktails and attacks the bourgeoisie. Instead of the cute "mushroom world," we have an apocalyptic world, somewhat more surreal and psychedelic like in Mario, but with different content. The castles, a representation of the monarchy that lost power to the bourgeoisie in the past, are replaced by "panopticon towers," from which the “landlords” (not “bosses” anymore) surveil that world or society.



“Towers where the characters from "The Jetsons" live, a utopian and futuristic vision of the "American dream" that has always left me wondering: but what’s in the world below the towers?”.


I also need to talk a bit about the music and how it composes the game world. We know that the 1985 Nintendo game has iconic and memorable tracks. The game starts its "overworld" levels with an upbeat song, in major scales, that creates a desire in the player to advance. The underground levels feature music that builds tension and expectation, signaling to the player that they should act with caution. The water level theme is a waltz, with its 3/4 musical meter, slower and accompanying the player’s movement in the water. Finally, the castle music is the most tense, alerting the player that they are within the enemy’s base. I used this same structure, also taking into account the origins of each piece of music.

As I’ve already published here on the blog, the music in Marlow isn’t my original creation. They are all melodies from anarchist or antifascist resistance songs from the 19th and 20th centuries. It made perfect sense to choose these songs, as they contribute to Marlow's relationship with the anarchist tradition. All songs are in the public domain and often borrowed melodies from other popular, even older, songs. I researched and listened to these and others, and then made a selection considering what I mentioned about the music of Super Mario in the previous paragraph. The only song that deviates from this is "Bella Ciao," which I use in the forced horizontal scrolling phases. Here, the connection came from Super Mario 3 on NES, which features similar levels with an accelerated song that creates a sense of urgency. Finally, I wrote and programmed the version for the ZX Spectrum’s sound chip (3 channels of square waves and white noise) for each of the chosen songs, adjusting their tempo and rhythm to my needs while keeping the melody recognizable. The details of each track are in the synthesis of the research I conducted and published on the blog and in the game’s “read-me.txt” file (click here to access the post). 



Anachronistic Videogame


As a final chapter of this post-mortem of the game, I want to recall the dialogue this work has with the "Manifesto of Anachronistic Art," by the Gang do Lixo group, of which I was a part, and which was mainly written by my friend Luiz Souza. He succinctly captures things that embody the spirit of our time, which are becoming increasingly urgent, especially in light of the dehumanizing changes of capitalism, such as these AI technologies. I recommend reading the manifesto (click here to read the manifesto) for anyone interested in the following paragraphs (click here to read the manifesto).

As Luiz Souza summarized, never before in history have we had such an accumulation of reproducible culture that is, in a way, accessible as it has been in the age of the internet. We might have had books and paintings, but cinema, recorded music, cheap prints like newspapers and comic books have left us with a varied and diverse accumulation, partly due to their reproducibility and subsequent digitization and availability online. Yes, a lot of "garbage" from the cultural industry has shaped my generation, especially in the third world, where we had limited access to other cultural goods that could balance out the packaged content shown on TV. However, we became specialists in cultural trash, sifting through interesting fragments, quotes from other classic or contemporary art works amidst the morning cartoons, video games, radio music, etc. We are cultural trash miners. It's worth noting that, like any mining operation, this process can be somewhat violent and fraught with problems. I will return to the topic of the Manifesto of Anachronistic Art before concluding.

One of the inspirations for Marlow is the work of my friend Pedro Paiva (Click here to access Pedro's Blog). Pedro has been doing a very, very important job in the Brazilian Indie video game scene. Like myself, he weaves together references from pop culture, especially from the peripheries, with references from art history and his political readings, infused with fantastic humor, without getting caught up in trends, truly doing independent work. In addition, he reflects on and shares experiences with arcade machines to get his games to the streets. What Pedro does is, to me, an anachronistic video game in the sense of the aforementioned manifesto. I need to make it clear that when I created the first version of Marlow in 2016, I was also inspired by Pedro's work.



"Telethugs, a game by Pedro Paiva that appropriates elements of pop culture and subverts their use".


Returning to the topic, the Manifesto of Anachronistic Art was completed and published in 2022 not by coincidence: it marked the one hundredth anniversary of the Modernist Manifesto, a document in the history of Brazilian Art that resonates to this day, echoing in movements like Tropicália and Manguebeat, both of which, in their time, updated and connected their ideas to the social realities of Brazil. I say this to clarify: our manifesto of 2022 also carries a political message that emphasizes the importance of local culture, without closing ourselves off or neglecting to "consume" the culture of others. But, as it is well stated there, now it is necessary to anthropophagize not only through geographical space, seeing the other as foreign, but also to anthropophagize through time: others are also ourselves in time.

This already happens, even if unconsciously, and its assertiveness became even clearer starting in 2023 with the "boom" of image automation technologies and other productions. These so-called AIs (sic), which are not conscious intelligences as some think, but automation programs for generating cultural products based on vast databases of human production of images, texts, videos, and other content available on the internet, articulated by algorithms and technologies that reconstruct something from fragments. These technologies "consume" all the culture that the Manifesto of Anachronistic Art refers to, and literally vomit a mash. Much in the spirit of our time, this is an unconscious anachronistic use of people by these tools (did I mean that people use AIs or that AIs use people? I don't even know). The manifesto becomes even more relevant as it calls people to adopt a conscious stance in cultural creation that is anthropophagic in both time and space. We need to consciously utilize this repertoire of human production that has been stolen by large technology monopolies, but as human beings, to continue creating human art in the face of the flood of automated and vomited production that will fall upon us.

I believe that the Marlow game for the ZX Spectrum is my most recent attempt in this regard, as are my previous works and those of Pedro and other artist friends from various fields who follow the same path. I think that against this future of AIs (sic), we must create by reappropriating and using the cultural repertoire that the Manifesto of Anachronistic Art discusses and from which they try to alienate us, inundating us with fifth-hand products. Ultra-processed culture is the new stage of capitalism under AIs (sic), a step beyond the packaged products of the 80s and 90s. I always mention, when creating new games for obsolete machines, programmed obsolescence and how counterproductive it is for aesthetic advancement. However, what this future of AIs (sic) tends to do is not just render cultures obsolete but to render certain social strata (always the lowest, and now finally the proletarian layer of the "middle class") obsolete in capitalism. When you become obsolete, what remains?

I conclude with an appeal in line with the Manifesto of Anachronistic Art: create art, make your creations with the materials and skills you have at your disposal, no matter if they are trash or if you think what you produce is "ugly." Any "ugly" human product is better than AI (sic) mash. Have a third-worldist mindset, akin to those who live off the scraps of capitalism in the suburbs and urban peripheries: create with the raw materials you have available. If I had waited for ideal conditions, I would never have made a single game, nor would I have left my banking job to pursue a degree in the arts, nor would I have produced everything I have during this time and even before. Since childhood, I have drawn with whatever pen and paper I had on hand, even if it was lined paper or advertising flyers, following the example of my father, who I always saw drawing on any paper or during any free time he had. Also, consciously seek to appropriate the cultural accumulation of humanity that is available on the internet, for that is still (still) what we have at our disposal. Don’t wait, and don’t be precious about raw materials, whether material or cultural.


Amaweks, Florianópolis, October 2024

 

Marlow ZX “Post Mortem” ou relatos e reflexões do processo de criação

(for english text click here)


Marlow ZX “Post Mortem” ou relatos e reflexões do processo de criação


Compre o game no itchio ou por PIX em meu site:

Depois de trabalhar em Bruxólico, um projeto de um game extenso para o ZX Spectrum, e que ainda teve todo o trabalho de criação de narrativa, livro, infinidade de ilustrações, eu desejava um projeto menor. Achei que o “Marlow in Apocalýptic Acid World” (Marlow no Mundo Ácido e Apocalíptico) seria um projeto rápido e certeiro, para fazer em dois meses de “hyperfoco”. Eu não podia estar mais enganado.



Um clone de Super Mario não é tão simples quanto você pensa


Para os padrões de hoje, Super Mario (1985) parece um game simples, afinal você apenas pula sobre plataformas e inimigos para derrotá-los, não é mesmo? Mas a verdade é que esse tipo de jogo exige uma série de diferentes interações do jogador com diferentes objetos, com os blocos que se quebram, inimigos, powerups, plataformas, etc, etc, etc. Fazer tudo isto caber em um jogo de ZX Spectrum, ou mesmo em um cartucho pequeno de NES como foi o caso de  Super Mario (40Kb), é um quebra cabeças enorme que só pode ser montado com planejamento a respeito do que entra, o que fica de fora, e o que deve ser reutilizado várias vezes no game. Fazer o game para PC, como fiz em 2016, é um pouco mais simples, por que você pode dispor de muito mais recursos de gráficos, sons, telas, mas fazer para sistemas de memória limitada é outra história.


“Pixel art de teste para os sprites visando reduzir ao máximo as animações otimizando assim o uso de memória”.



Uma lição de game e level design.


Tanto em seus vários acertos e novidades para a época, quanto seus “erros”, que Shigeru Miyamoto tentou sanar nas versões subsequentes de Super Mario no Nes e Snes, o game de 1985 é reconhecidamente uma lição e exercício de game design. Então minha primeira tarefa foi pensar a respeito disto, entendendo o que eu deveria modificar para meus próprios propósitos e limitações.

As tais mecânicas “simples” de um game como o Marlow não são exatamente “tão simples”, e quando você começa a programar vai percebendo as exceções dentro das exceções que são necessárias no código, tornando tudo bem mais complexo. O jogador quebra blocos com a cabeça, mas apenas quando está “subindo” do pulo, não quando está caindo, Existem diferentes tipos de blocos que dão diferentes itens, mesmo quando o bloco usa o mesmo gráfico (que para evitar desperdício de memória não pode ser repetido). Também tem a interação com os inimigos, sendo que alguns podem ser derrotados com um pulo sobre a cabeça, outros apenas com o molotov, e outros ainda são invencíveis. Pra piorar, Marlow tem 3 formas diferentes, e cada forma traz suas exceções nas interações por conta da velocidade alterada e molotov. E ainda, há as fases da agua, onde o pulo e a velocidade de tudo sofrem alterações. Não esquecer das plataformas móveis em diferentes direções. Quando juntamos tudo, o modesto Zx Spectrum sofre, uma por seu processamento modesto, e outra pelas minhas limitações como programador e do MPAGD, apesar de que tentei otimizar ao máximo estas exceções todas que certamente acrescentaram bastante código no programa.


“Planejamento para conseguir encaixar a sequencia de telas no mapa limitado do MPAGD, que disponibiliza um espaço de 8X16 telas para o mapa completo”.


Uma coisa que se utiliza bastante no projeto de game projeto de níveis é a sobreposição gradual de desafios e obstáculos. Você pega obstáculos e desafios simples, e vai colocando um de cada vez, do mais fácil para o mais difícil, e depois começa a combinar estes de diferentes formas. No Marlow, na atual engine que utilizo (MPAGD Gen2), pude contar com umas 40 telas únicas de jogo, uma quantidade limitada para um jogo dinâmico. Por isso, como de costume, tive de “reciclar” telas, repetindo-as com pequenas alterações como um novo inimigo, ou um bloco com item diferente. Por este motivo que optei por tornar as telas finais da fase (a tela do mastro com antena e a tela que a antecede) como telas padrão, mas também ciente que assim criava certos efeitos: quando o jogador reconhece estas telas sabe que está perto do fim da fase e muda sua sensação de urgência (creio que dependendo da pessoa e também do seu momento anterior no jogo ela pode se sentir aliviada, ou pode ainda aumentar sua tensão).



“Planejamento de níveis para a primeira fase do episódio 2 com as repetições e modificações de telas”

Super Mario é um game feito para ter rolagem de tela. Já Marlow é feito para ter as principais fases no formato “flip screen”, onde não há rolagem de tela (movimento de câmera) e você passa de uma tela para a outra como se virasse as páginas de um livro. Isto muda algumas considerações nos planejamentos dos desafios: o jogador entra em uma nova tela e tem de olhar e “ler” tudo que está na tela e como os elementos se relacionam, para então decidir o curso de ação. Diferente da rolagem de tela, que vai trazendo novos elementos para o “horizonte” do jogador, exigindo uma adaptação mais dinâmica, aqui o jogador quase que separa esses atos: o de identificar os elementos e o de agir. No entanto, quando ele chega ao fim da tela e “vira a página”, uma nova tela se apresenta trazendo vários elementos de uma só vez, exigindo que ele pense muito rápido ou pare para pensar. O resultado acredito ser essa quase separação entre avaliar e agir, coisa que em um jogo de rolagem de tela acontece em simultâneo só que mais fragmentado, pois o jogador não tem esse momento da “visão global” da tela em separado. É algo que remete ao efeito “virada de página” de um livro ou história em quadrinhos, e me trouxe a mente as estratégias de surpresa, quebra e continuidade, que existem nestas outras linguagens.

As limitações de memória e necessidade de “recilar” gráficos e código, também me fizeram pensar a respeito dos “chefões” do jogo. Super Mario também recicla muito das telas e conteúdos para caber em 40 kb, ao ponto de que os 8 chefes de fase são sempre o mesmo: Bowser sobre uma ponte no castelo, ou falsos Bowser se preferir, sendo o oitavo o derradeiro vilão, sempre no castelo. Sendo assim me senti confortável de também repetir elementos: no lugar de castelos Marlow tem torres, e os chefões de fase são diferentes (apesar de que no fundo bem similares utilizando a Sprite do olho), sendo as torres que os precedem são iguais. Assim como em Super Mario, a batalha de chefões é curta (apesar de pouco e gradualmente mais longas), servindo mais como um marco de finalização de etapa do que um desafio extenso. Não à toa eu coloquei a dificuldade maior na parte do elevador que sobe a torre, mantendo os chefes relativamente fáceis de serem derrotados.


“Captura de tela do primeiro chefão de Marlow”


Para finalizar essa parte, queria falar sobre as fases. Eu também criei uma estrutura semelhante de fases à do primeiro Super Mario, onde em cada um dos 8 mundos se repete basicamente a mesma sequência: uma fase na superfície, uma segunda fase no subterrâneo ou dentro da água, uma terceira fase em “colinas altas” ou com mais buracos sem fundo, e a quarta fase dentro do castelo com o chefe ao final. Em Marlow então optei por ter também a fase de superfície em primeiro lugar, seguida da fase subterrânea ou dentro da água, com a terceira fase simulando uma “rolagem forçada” horizontal (para adicionar variedade e ter uma fase diferente, gastando pra isso algum código extra, mas economizando muitas telas), com a fase da torre substituindo as fases do castelo. Outro detalhe importante, nos primeiros jogos do Mario as fases não tem nomes, apenas números: 1-1, 1-2, 1-3, etc. O game exibe o número do “Mundo” seguido do número da fase ou estágio. Algo que vai mudar em Super Mario World de Snes, que tem áreas com títulos próprios, dando mais personalidade a elas. Mas minha inspiração para os nomes das fases de Marlow veio curiosamente de outro lugar: Sonic the Hedgehog de Mega Drive. Acredito que Sonic evoluiu essa ideia dando às fases nomes que contribuem para criar o universo do jogo. Funcionam como o título uma pintura em uma galeria: o título do trabalho de arte pode ser um elemento importante capaz até mudar o sentido da imagem que se vê. Foi com isso em mente que escolhi os nomes das fases, inclusive gastando uma memória preciosa já que todo texto “custa caro” em termos de memória na programação do jogo no MPAGD.



Elementos da narrativa e referências culturais


Queria começar essa parte falando de algo que eu prezo, e cuido bastante, que é sempre fazer um mínimo de pesquisa sobre as referências culturais as quais me aproprio para criar meu game ou qualquer outro trabalho de arte. E faço isso por dois motivos: uma por que considero ser o mínimo, “o dever de casa” de qualquer criador consciente, e também por que quero ter cuidado e respeito com objetos ou culturas de grupos os quais eu por vezes nem me insiro. Esses dias alguém comentou numa rede social que achou “genial” o uso que fiz das músicas, e que já expus em detalhes aqui no blog. Eu fiquei pensando um tempo, por que honestamente não me considero gênio, e não é falsa modéstia. Como eu disse, o que eu fiz eu considero como o “dever de casa”, a pesquisa mínima a ser feito. Não precisa ser uma pesquisa aprofundada, mas o básico como fazer uma busca na internet, ler algo na wikipedia, e anotar as informações principais. Coisa que para as músicas do Marlow eu fiz em uma manhã. Quando me chamaram de gênio por fazer o básico eu me perguntei: se pessoas acham isso genial será que eu sou a pessoa de um olho só no meio de cegos? Realmente espero que não, é mais uma falta de prática de muita gente mesmo.

Bom, Marlow é um anarquista em um futuro apocalíptico e distópico. Vale dizer que eu não sou anarquista, nem grande leitor de Bakunin e outros pensadores do campo. No máximo eu tenho uma índole individual que bebeu da cultura punk dos anos 80, que “exalava” fragmentos do pensamento anarquista, mas também de um niilismo típico do grunge dos anos 90, fontes de onde eu bebi direta ou indiretamente. Mas tentei representar o anarquismo de Marlow com o respeito que qualquer cultura ou pensamento merece. Se Alan Moore pode se utilizar dessas referências como fez na criação de “V de Vingança”, por que eu não poderia fazer algo semelhante?

Mas voltemos ao Super Mario. Refletindo a respeito cheguei a uma conclusão que pode até já ser óbvia mas que nunca havia pensado: o mundo que Miyamoto criou é claramente inspirado em Alice no País das Maravilhas, mais na Alice da Disney do que na de Lewis Carroll, é preciso frisar. Sendo essa uma inspiração direta ou indireta, o fato é que Super Mario ainda carrega algo de um surrealismo quase lisérgico, claro que bastante atenuado para um público infantil projetado pela indústria cultural. Tendo isso em mente, é claro que Marlow também precisava ter esse carácter ainda mais explícito, não por acaso que eu coloquei de forma dúbia o “Acid” no subtítulo do game.



“À esquerda, Alice da Disney (1951) em um mundo com cogumelos gigantes e criaturas estranhas, à direita cena do filme de Super Mario (2023)”


Uma ideia central que tenho desde quando comecei a fazer games, em 2013, é a de pegar gêneros e estilos clássicos de games (clássicos para mim), como Super Mario, Castlevania, Mega Man, e outros, copiar suas mecânicas de jogo mas inserindo meu niverso autoral, com personagens e situações narrativas que me interessem e que sejam culturalmente mais diversos. Veja bem, eu adoro estes games, eles me marcaram, e eu ainda consigo jogar eles (quando me sobra tempo e paciência). Mas agora tenho 43 anos e duas faculdades nas costas, e eu consigo reconhecer que eles não tem um conteúdo adulto, são no máximo produtos voltados para pré-adolescentes, apesar de por vezes terem sim um potencial para algo mais.

E esse é um dos princípios de Marlow: ser como um jogo de Super Mario na forma de jogar, mas subvertendo seu conteúdo. No lugar de um personagem meio “inofensivo”, à moda Disney, como o encanador da Nintendo, temos Marlow, um anarquista que arremessa  coquetéis molotov e ataca a burguesia. No lugar do “mundo do cogumelo” fofinho, temos um mundo apocalíptico, um tanto surrealista e lisérgico como em Mario mas um conteúdo diferente. Saem os castelos, representação da monarquia que perdeu o poder para a burguesia no passado, e entram as “torres panóptipas”, de onde os não mais “chefes” (bosses), mas “senhorios” (Landlords), vigiam aquele mundo ou sociedade.



“Torres onde vivem os personagens de “Os Jetsons”, visão utópica e futurista do “sonho americano” que sempre me deixou perguntando: mas o que tem no mundo abaixo das torres?”.


Preciso também falar um pouco das músicas e em como elas compõem esse mundo e seu diálogo com a história do anarquismo e com a trilha sonora de Super Mario. Sabemos que o jogo de 1985 da Nintendo tem faixas icônicas e bem marcantes. O game inicia as fases de superfície com uma música “pra frente”, em escalas maiores, que cria no jogador uma vontade e avançar. Já as fases de subsolo tem uma música que cria tensão, expectativa, que diz ao jogador que ele deve agir com certa precaução. A trilha da água é uma valsa, com sua métrica musical de 3/4, mais lenta acompanhando o movimento do jogador na água. Por fim, a música dos castelos é a de maior tensão, alertando o jogador de que está dentro da base do inimigo. De certo modo eu busquei essa mesma estrutura, levando em conta também as origens de cada música.

Como eu já havia publicado aqui no blog, as músicas de Marlow não são criações minhas. São todas melodias de músicas anarquistas ou de resistência de esquerda ou antifascista dos séculos XIX e XX. Fazia todo o sentido escolher estas músicas, pois elas contribuem para a relação do personagem do Marlow com a tradição anarquista. Todas músicas são de domínio público, e muitas vezes pegavam emprestadas melodias de outras canções populares e ainda mais antigas. Eu pesquisei e escutei estas, e outras mais, e depois fiz a seleção levando em conta o que já falei das músicas de Super Mario no parágrafo anterior. A única música que foge disso é Bella Ciao, que utilizo nas fases de rolagem horizontal forçada. Aqui, a relação veio de Super Mario 3 de NES, que tem fases desse tipo, com uma música acelerada que cria uma sensação de urgência. Por fim eu escrevi e programei a versão para o chip de som do ZX Spectrum (3 canais de ondas quadradas e ruído branco) de cada uma das músicas escolhidas, ajustando seu tempo e ritmo à minha necessidade, mas mantendo a melodia reconhecível. Os detalhes de cada faixa estão na síntese da pesquisa que fiz e publiquei no blog e no arquivo “leia-me.txt” do game (clique aqui para acessar). 



Videogame Anacrônico


Como capítulo final deste Post Mortem do game, quero lembrar do diálogo deste trabalho com o “Manifesto da Arte Anacrônica”, do Grupo Gang do lixo, do qual participei, e que foi redigido principalmente pelo meu amigo Luiz Souza. Ele sintetiza bem coisas que estão no espírito do nosso tempo, e que são cada vez mais urgentes, ainda mais diante de mudanças desumanizantes do capitalismo como essas tecnologias de IA. Indico a leitura do manifesto (clique aqui para ler o manifesto) para todo aquele que se interesse pelos parágrafos seguintes.

Como o Luiz Souza sintetizou bem, nunca antes na história tivemos um acúmulo de cultura reprodutível e de certo modo acessível como tem sido na era da internet. Podíamos já ter o livro e a pintura, mas o Cinema, a música gravada, os impressos baratos como a literatura de jornal e as histórias em quadrinhos, nos deixaram um acúmulo variado e de toda qualidade, em parte por sua reprodutibilidade e posterior digitalização e disponibilidade na internet. Sim, muito “Lixo” da indústria cultural formou a minha geração, em especial no terceiro mundo onde tivemos pouco a cesso a outros bens culturais que pudessem contrabalancear os enlatados que passavam na TV. No entanto, nos tornamos especialistas no lixo cultural: catando fragmentos interessantes, citações de obras outras clássicas ou contemporâneas no meio do desenho animado matinal, do vídeo game, na música do rádio, etc. Garimpeiros do lixo cultural. Lembrando que como em qualquer garimpo, a coisa se dá meio violenta e carregada de problemas. Voltarei ao assunto do Manifesto da Arte Anacrônica antes de terminar.

Uma das inspirações para Marlow é o trabalho do meu amigo Pedro Paiva (Clique aqui para acessar o Blog do Pedro). O Pedro tem realizado um trabalho muito, mas muito importante no videogame nacional. Independente como eu, ele articula referências da cultura pop, em especial das periferias, com referências da história da arte e de suas leituras políticas com um humor fantástico, sem se prender a modismos, fazendo um trabalho realmente independente. Fora suas reflexões e experiências com fliperamas e o videogame na rua. O que o Pedro faz é para mim videogame anacrônico no sentido do manifesto já citado. Preciso deixar claro que quando criei a primeira versão de Marlow em 2016, foi também inspirado pelo trabalho do Pedro.



"Telethugs, game de Pedro Paiva que se apropria de elementos da cultura pop e subverte seu uso".


Agora retomando, o Manifesto da Arte Anacrônica foi finalizado e publicado em 2022 não por acaso: eram os cem anos do Manifesto Modernista, documento da história da arte brasileira que repercute até hoje, ecoando em movimentos como o da tropicália e do manguebeat, ambos em seu tempo atualizando e aproximando suas ideias para realidade social brasileira de seu tempo. Digo isso pra que fique claro: nosso manifesto de 2022 também traz em seu conteúdo político a ideia antropofágica de dar a devida importância para a cultura local, sem se fechar ou deixar de “comer” a cultura do outro. Mas, como bem está escrito lá, agora é preciso antropofagizar não só através do espaço geográfico, do outro como estrangeiro, mas também antropofagizar no tempo: os outros também somos nós mesmos no tempo.

Isso já acontece, mesmo de forma inconsciente, e ficou ainda mais clara a assertividade disso a partir de 2023 com o “boom” das tecnologias de automatização de imagens e outras produções. As tais I.A.s (sic), que não são inteligências conscientes como alguns pensam, mas programas de automação na geração de produtos culturais que se apoiam em bancos de dados gigantes da produção humana de imagens, textos, vídeos, e outros disponíveis na internet, articulados por algoritmos e tecnologia que reconstrói algo a partir de fragmentos. Essas tecnologias “comem” toda essa cultura da qual o Manifesto da Arte Anacrônica se refere, e literalmente vomita uma maçaroca. Muito dentro do espírito do nosso tempo, esse é um uso anacrônico inconsciente das pessoas por estas ferramentas (eu quis dizer que as pessoas usam as I.A.s ou que as I.A.s usam as pessoas? Nem eu sei). O manifesto se torna ainda mais atual, na medida que ele chama as pessoas para assumirem uma postura consciente na criação cultural antropofágica no tempo e espaço. Precisamos conscientemente utilizar esse repertório de produção humana que vem sido roubado por grandes monopólios de tecnologia, mas como seres humanos, para seguir criando arte humana diante da enxurrada de produção automatizada e vomitada que vai cair sobre nossa cabeça.

Acredito que o game do Marlow para Zx Spectrum é minha tentativa mais recente nesse sentido, assim como são emus trabalhos anteriores e também os do Pedro e de outros amigos artistas de diversas áreas que também seguem na mesma linha. Acho que contra esse futuro de I.A. (sic) é preciso criar reapropriando e utilizando o repertório cultural humano de que o Manifesto da Arte Anacrônica trata e do qual tentam nos alienar, nos inundando com produtos de quinta mão. Cultura ultra processada é a nova etapa do capitalismo das I.A.s (sic), um passo além dos enlatados dos anos 80 e 90. Eu sempre falo, ao criar jogos novos para máquinas obsoletas, da obsolescência programada e o quanto ela é contra produtiva no sentido do avanço estético. Mas o que esse futuro de I.A. (sic) tende a fazer já nem é tornar culturas obsoletas, mas tornar certas camadas sociais (sempre as mais de baixo, e agora finalmente chegou a vez da camada proletária da “classe média”) elas sim obsoletas no capitalismo. Quando você se tornar obsoleto, o que sobra?

Finalizo com um apelo de acordo com o Manifesto da Arte Anacrônica: faça arte, faça suas criações, com os materiais e habilidades que você tiver a sua disposição, não importa se são o lixo ou se você acha que o que faz é ”feio”. Qualquer produto “feio” humano é melhor que maçaroca de I.A. (sic). Tenha índole de terceiro mundista, de quem vive das sobras do capitalismo, no subúrbio e periferias urbanas: faça com a matéria prima que tem à sua disposição. Se eu fosse esperar as condições ideais eu nunca teria feito um único game se quer, também não teria largado o emprego de bancário e feito faculdade de artes, não teria produzido tudo que produzi nesse tempo e mesmo antes.  Desde a da infância desenhando com a caneta e o papel que tivesse a mão, mesmo que fosse folha pautada ou santinho de publicidade, seguindo o exemplo de meu pai que eu via sempre desenhando em qualquer papel ou tempo livre que lhe sobrava. Também busque conscientemente se apropriar do acúmulo cultural humano que está na internet, pois ainda (ainda) é o que temos disponível. Não espere, e não tenha preciosismo com matéria prima seja ela material ou cultural.


Amaweks, Florianópolis, outubro de 2024

 

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Marlow - Clipagem de notícias (Marlow on the media)


Nessa postagem vou acumular links e notícias a respeito do lançamento do marlow, meu novo jogo para ZX Spectrum.

E lembrando, jogue a demo ou compre por PIX em meu site, ou com o cartã ode crédito no itchio:


https://www.amaweks.com/marlowzx

https://amaweks.itch.io/marlow-zx




Resenha na Revista Clash #24 (Inglaterra) - Crash Magazine #24 review







Prévia na Revista Clash #23 (Inglaterra) - Crash Magazine #23 Preview






Prévia do portal Planeta Sinclair (Portugual)



Indie Retro News (Replicado aqui também)



Quebrando o Controle



Matéria no site Ready and Play



Notícia em Francês no site GamoPat (e clique aqui para a tracução automática)

Notícia no site Russo Romhacking.ru



Youtube:

Saberman Channel - previewplay

Modern ZX Retro Gaming - previewplay

paulisthebest - vídeo com comentários

Czas Na Retro - previewplay

DVDfeverGames - gameplay

Alex Battista - gameplay

Sinc Lair Live:

Saberman (Full Version) - preview play

Retro Games Forever - preview play

Bapstarcade Live show


THE SPECTRUM

Em outra postagem pouquinho atrasada, querido diário, preciso registrar o lançamento do "THE SPECTRUM", novo produto da Retro Games Ltd (Amiga Mini, C64 MIni, etc) que inclue na memória 2 de meus games: TCQ e Devwill Too 2.0

O THE SPECTRUM é um clone, com emulação, do ZX Spectrum original, no mesmo formato, tamanho, e teclado funcional que tinha o aparelho de 1982. É muito legal ter meus jogos ali, e claro, eu recebi um valor de licenciamento o que é muito bem vindo.

Mais informações no link da fabricante, e também algumas imagens logo abaixo:

https://retrogames.biz/products/thespectrum/