segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Criar jogos é “apenas” arte: Comentário sobre o texto de Brendan Keogh traduzido por Janos Biro.

(English on the bottom)

Criar jogos é “apenas” arte: Comentário sobre o texto de Brendan Keogh traduzido por Janos Biro.


Hoje eu li o texto mais lúcido que já encontrei na área de desenvolvimento de jogos. Ele não só reafirma algumas de minhas convicções nessa jornada de 12 anos como joguinista, mas também elucidou alguns pontos para seguir com mais clareza e tranquilidade nesse caminho.

Recomendo fortemente a leitura do texto, no link a seguir, e se assim desejar, caminhar comigo em meio a minhas reflexões:

https://contrafatual.substack.com/p/nao-ha-jogos-demais-todas-as-pessoas-devem-ser-encorajadas-a-faze-los-ou-jogos-sao-apenas-arte

Sei que utilizar a si mesmo como “exemplo” não é algo muito “científico”. Mas, em se tratando da área de artes, e na própria prática que nós encontramos paralelos entre nosso fazer e o fazer dos demais artistas. Eu não quero com isso servir de “exemplo” pra nenhum desenvolvedor (mas talvez o queira como ser humano, talvez). O que quero é mostrar que algumas coisas servem para mim, e talvez também sirvam para alguém mais.

Se você leu a tradução de Janos Biro para o texto de Brendan Keogh, e espero que sim, então vai acompanhar os pontos que pretendo colocar. A começar citando a síntese mais importante do texto:


"Criar jogos não é fundamentalmente uma atividade econômica".


Como Brendan coloca claramente: fazer poesia, criar uma música, criar uma imagem, não é fundamentalmente uma atividade econômica. Por ventura, para algumas pessoas, pode se tornar sua atividade de sobrevivência econômica nesse mundo (como tem se dado no meu caso). Foi por motivos históricos, em grande medida tensionados pela indústria do videogame, que a prática de "criar videogames" tem sido vista não como uma atividade criativa humana, tal qual as demais, mas como primeiramente um "empreitada" do tipo "empreendedora" comercial no entretenimento.

Eu preciso dizer que essa questão sempre me preocupou. Quem me acompanha sabe que eu frequentemente reforço que o game, para mim, é uma linguagem estética assim como são os quadrinhos, o cinema, a literatura, e demais... em outras palavras, é arte, no sentido amplo de atividade criativa humana. E apesar de ter optado, de 7 anos para cá, sobreviver dessa arte e ter ela como meu "ofício", eu sempre parto da vontade de criar. Tanto que sou avesso a analises de tendência de mercado. Eu faço games retrô pelos meus próprios motivos, alheio a modismos e "trends".


Alguns dos jogos mais vendidos de todos os tempos.


Já atempos que me perguntava do porque com os games essa noção das pessoas sobre arte era diferente do que é em outras linguagens. E eu via na indústria, no como ela se "apropria" da autoria dos jogos, como um dos motivos. Brendan deixa mais claro sobre a artificialidade desse processo histórico. E de fato, vejam como a indústria por muito tempo forçou a ausência de créditos nos games, proibindo os desenvolvedores de colocar seu nome (tem o caso famoso dos desenvolvedores do Adventure de Atari escondendo seus nomes numa tela de créditos secreta). Ou posteriormente, proibiam os nomes reais, obrigando eles a colocarem apenas apelidos, pseudônimos (muitos dos jogos da snk no Neo Geo). E mesmo quando a indústria assume um produto como algo "autoral", no final das contas todos os direitos são da empresa, por que antes de ser trabalho criativo aquilo é um produto. Shigeru Miyamoto só é alçado como grande autor de jogos e personagens da Nintendo por que seu nome se tornou um "asset", ele tem valor de capital simbólico para a empresa. Mas no final das contas, a empresa é dona de toda a criação, se ele fosse embora da Nintendo perderia qualquer controle sobre seus personagens.

Acho certeiro, e me tornou muito mais claro e sintético, a afirmação de Brendan de que é preciso assumir a "banalidade" da criação de games. Criar games é "apenas arte". Não no sentido de desvalorizar a criação, mas no sentido de humanizá-la. Criar games é uma atividade criativa humana, que pode existir independente de se existir um "mercado". E é por isto que ele diz que "jogos não são software". O game utiliza o software como parte de seu suporte, assim como uma pintura utiliza a tela e as tintas. O software é um meio, não um fim.

Suporte (parabrisa automotivo), e materiais (poeira) "inusitados" em um trabalho de arte.


Criar jogos é então um trabalho criativo, e eu concordo plenamente que é preciso deixar isto claro à aspirantes e alunos de desenvolvimento de games. E isso não significa desvalorizar seu trabalho. Eu digo isso com a propriedade de minha prática, que tem sido até bastante consciente, também graças ao diálogo constante com o Trabalho do Pedro Paiva, e quero pegar nosso trabalho como forma de ilustrar isso. Mas me siga com esse trecho do texto de Brendan:

"Algo que costumava dizer para mim mesmo quando era um escritor freelancer: não trabalhe de graça, mas não trabalhe apenas por dinheiro. Havia uma corda bamba que eu queria andar entre respeitar meu próprio trabalho e não reduzir o valor do meu próprio trabalho a um valor puramente econômico"

Acho que isso resume bastante de minha prática. Quando iniciei a 12 anos atrás, eu ainda não pensava em "sobreviver" de minha arte. Até 7 anos atrás, eu sobrevivia como professor de artes em escolas públicas, até criando jogos com meus alunos, e nas horas vagas seguia criando meus games simplesmente por que eu sentia que precisava. Nessa época, distribuía meus games gratuitamente. Fazia eles da mesma forma como anos antes eu desenhava ou criava e gravava minhas próprias músicas. Criava por que viver para mim é criar arte.

De 7 anos para cá mudei de perspectiva, mas me esforcei para não criar ilusões, tentando encontrar meu próprio caminho autoral. Acreditei sim por um momento na falácia de que colocar meu game na Steam Coisa que fiz em 2017) seria garantia de vendas e sobrevivência. Pura miragem, mas que logo tomei consciência, até por conta da prática que mantive de avaliar meu trabalho, tomando meu tempo para escrever de forma ensaística e honesta comigo mesmo em meu blog. Prática essa que era reforçada pelo contato com o Pedro Paiva, que sempre fez coisa semelhante em seu blog.

Captura do Blog do Pedro Paiva (link ao final do texto)


Então o que tenho feito é seguir meu próprio caminho no meio do retro game, nicho do nicho dos computadores de 8 bits, mas onde sobrevivido e realizado minhas pretensões criativas. Sempre escuto de pessoas nos eventos que atendo "seu game devia estar na Steam, no Xbox, etc..." eu só acho engraçado, por que a pessoa não faz ideia da clareza que eu tenho do caminho que trilho. Eu estou onde estou por escolha própria, não só por falta de outras oportunidades. E isso tem tudo a ver com minha opção de "sobrevivência" econômica no meio do desenvolvimento de games.

Eu costumo dizer que o que eu faço é um "game artesanal". Não no sentido "gourmet", mas num sentido mais marxista: diferente do trabalhador alienado, eu tento ser o artesão que colhe a matéria prima, fabrico meu produto em todas as suas etapas, e depois vou até a feira (tanto virtual quanto presencial) vender e mostrar minha arte. E é por que tenho essa noção de valorizar aquilo que meu trabalho tem de mais potente: sua dimensão artística e cultural. Claro, eu estou "vendendo meu peixe". Mas isso também me deixa prevenido com certas ilusões de grandeza, sem ao mesmo tempo desvalorizar meu ofício.

Registros de minha participação no Açor, Festa da Cultura Açoriana

Sendo bem franco, hoje em dia, depois de muito trabalho e esforço também na parte comercial de meus jogos, eles me rendem em média apenas 1/2 da minha renda básica. A outra metade vem de trabalhos freelance no meio do nicho de homebrew/retro games. Como qualquer outro artista, como um poeta, um pintor, cineasta, ou músico que também sou, eu sei que não é possível, ou muito raro, sobreviver exclusivamente de sua arte. Ainda mais num país de terceiro mundo onde a maioria esmagadora das pessoas gasta quase toda sua renda com moradia, transporte e alimentação. Então, minhas estratégias na parte econômica são as de um artista "qualquer", banal, como diria Brendan.

Queria dizer também que, enquanto professor que realizou um total de 11 jogos junto com seus alunos, em atividades de 6 meses e que me davam uma trabalheira imensa muito mal remunerado, eu já tinha uma noção a respeito dessa dimensão do game como "apenas arte". Ou como eu sempre pensei, como uma linguagem estética igual a todas as outras. E reconheci isso naqueles idos de 2014 quando descobri o trabalho do Pedro Paiva, que fazia exatamente o mesmo. O Pedro ainda trouxe muitas ideias claras a respeito da coisa de levar os games até as pessoas através de fliperamas improvisados, mas isso é história para outro dia. Brendan agora me deixou mais lúcido que o que eu e o Pedro tentávamos, cada um do seu jeito, fazer à época, era exatamente isso: mostrar para nossos alunos do ensino regular que o game era "apenas arte", uma atividade de criação humana que você pode fazer apenas por que fazer lhe preenche sentido no tempo da vida.

Esses Games Proibidões, fruto do trabalho do Pedro como professor e seus alunos.

Para finalizar, queria mirar no problema que Brendan levanta da "curadoria" dos games. Esse é um problema pro qual nenhum de nós tem muita solução. O Pedro deu uma direção e pistas com o trabalho dos Fliperamas, algo que graças a ele eu tenho a perseverança de seguir fazendo. Mas isso ainda é uma atividade bem local. A verdade é que por conta do tal deus algoritmo os youtubers, resenhistas, mesmo que amadores a maioria, evita jogos que não estejam dentro de sua bolha e das "trends". Isso é um problema por que vicia e empobrece a curadoria. Já entra num campo que é também o da comunicação na internet, algo que me foge e não pretendo dar conta. Talvez a coisa deva começar pelos curadores se enxergar como críticos de cultura, não como gamers. Acho que as melhores resenhas de jogos meus foram de pessoas que se enxergaram assim, lembro bem de umas do Flilipe Veiga e alguns outros resenhistas que se sentiram estimulados pelo conteúdo cultural de meus games e encararam a resenha como um tipo de escrita literária. Mas fica aí o problema para quem é desta área tentar resolver, acho que isso já é demais pra minha cabeça.

Quanto ao tema principal, talvez minha sorte, e acredito que a do Pedro Paiva também, é que nós não viemos de uma formação nem em TI, nem em Desenvolvimento de Jogos Digitais, mas da Licenciatura em Artes Visuais. Viemos para a área de games com cabeça de artistas/pesquisadores críticos. Sou muito grato ao Janos Biro pela tradução do texto de Brendan. Sempre acreditei ser preciso reforçar esse aspecto do game como atividade criativa humana, e é bom contar com pessoas inteiradas no meio para tanto. eu sou meio isolado, apenas um artista criando aqui no meu canto e tentando sobreviver, mas ainda assim com a cabeça ativa e pensante.


Links:

https://contrafatual.substack.com/

https://menosplaystation.blogspot.com/

https://diarioartografico.blogspot.com/


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English:

Making games is “just” art: A commentary on Brendan Keogh’s text translated by Janos Biro.

Today I read the most lucid text I’ve ever encountered in the field of game development. It not only reaffirms some of my convictions along this 12-year journey as a game-maker, but it also clarified points that now allow me to move forward with more calm and clarity.

I strongly recommend reading the text at the link below, and if you wish, walking with me through my reflections:


I know that using oneself as an “example” is not very “scientific.” But when it comes to the arts, it is within our own practice that we find parallels between what we do and what other artists do. I don’t want this to serve as an “example” to any developer (though perhaps I do, as a human being). What I want is to show that some things work for me, and perhaps they might work for someone else as well.

If you’ve read Brendan Keogh’s text, and I hope you do had, then you will follow the points I intend to raise. Starting by quoting what I consider the text’s most important synthesis:

“Making games is not fundamentally an economic activity.”

As Brendan clearly states: writing poetry, composing music, creating an image, these are not fundamentally economic activities. By chance, for some people, they may become their means of economic survival in this world (as has been my case). It was for historical reasons, largely shaped by the videogame industry, that the practice of “making videogames” came to be seen not as a human creative activity like any other, but primarily as an “entrepreneurial” commercial venture within entertainment.

I must say this issue has always worried me. Those who follow me know I frequently insist that games, for me, are an aesthetic language just like comics, cinema, literature, and others… in other words, they are art, in the broad sense of human creative activity. And although I have chosen, for the past seven years, to make a living from this art, to make it my “profession”, I always begin from the desire to create. So much so that I avoid market trend analyses. I make retro games for my own reasons, indifferent to fads and “trends.”

Some of the best-selling games of all time.

For some time I wondered why, when it comes to games, people’s notion of art differs from what it is in other media. I saw in the industry, and in how it appropriates authorship, one of the reasons. Brendan makes the artificiality of this historical process much clearer. In fact, look at how the industry for many years suppressed credits in games, forbidding developers from putting their names (the famous case of the Atari Adventure developers hiding their names in a secret credits screen). Later, companies forbade real names, forcing developers to use nicknames or pseudonyms (as in many SNK Neo Geo games). And even when the industry frames something as “authorial,” in the end the company owns all rights, because before being creative work, it is a product. Shigeru Miyamoto is hailed as a great game and character creator at Nintendo because his name became an asset, a form of symbolic capital for the company. But ultimately the company owns everything: if he left Nintendo, even he would lose all control over his characters.

I find Brendan’s assertion that we must embrace the “banality” of game creation both accurate and clarifying. Making games is “just art.” Not in the sense of devaluing creation, but in the sense of humanizing it. Making games is a human creative activity that can exist independently of any “market.” And that is why he says “games are not software.” The game uses software as part of its support, just as a painting uses canvas and paint. Software is a medium, not an end.

Support (car windshield) and “unusual” materials (dust) in an artwork.

Thus, making games is creative work, and I fully agree that this must be made clear to aspiring developers and students. This does not devalue the work. I say this from the vantage point of my own practice, which has been quite conscious, thanks in part to my ongoing dialogue with Pedro Paiva’s work. I want to use our work to illustrate this. But follow this excerpt from Brendan’s text:

“Something I used to tell myself when I was a freelance writer: don’t work for free, but don’t work only for money. There was a tightrope I wanted to walk: respecting my own work without reducing its value to a purely economic one".

This summarizes much of my practice. When I started 12 years ago, I wasn’t thinking about “making a living” from my art. Until 7 years ago, I've maked a living as an art teacher in public schools (even creating games with my students) and in my spare time, I kept making my own games simply because I felt compelled to. At that time, I distributed my games for free. I made them the same way I had drawn or composed and recorded my own music years before. I created because, for me, living is creating art.

Seven years ago I shifted perspectives, but I worked hard not to harbor illusions, seeking my own authorial path. I did believe for a moment in the mirage that putting my game on Steam (which I did in 2017) would guarantee sales and survival. Pure illusion, which I quickly saw through, in part because I maintained the practice of evaluating my work, taking time to write honestly and essayistically on my blog. A practice reinforced by Pedro Paiva, who has long done the same on his blog.

Screenshot from Pedro Paiva’s blog (link at the end).

So what I’ve done is follow my own path in the retro-gaming micro-scene, the niche of niches - 8-bit computers - where I’ve managed to survive economically while fulfilling my creative aims. At events I always hear people say, “your game should be on Steam, on Xbox, etc…” I just find it funny, because the person has no idea how clear I am about the path I’m on. I am where I am by choice, not just by lack of opportunity. And this has everything to do with my economic approach to game development.

I often say what I make is “artisanal games.” Not in the “gourmet” sense, but in a more Marxist sense: unlike the alienated worker, I try to be the artisan who gathers raw material, crafts the product in every step, and then goes to the market (both virtual and physical) to sell and show my art. And because of this, I value the most powerful dimension of my work: its artistic and cultural dimension. Of course, I’m “selling my fish.” But this also keeps me grounded against illusions of grandeur, without devaluing my craft.

Records of my participation at Açor – Festa da Cultura Açoriana.

To be honest, after much work and effort (even on the commercial side)my games bring in only about half of my basic income. The other half comes from freelance work within the homebrew/retro scene. Like any other artist: a poet, painter, filmmaker, or musician, which I also am. I know it is impossible, or very rare, to survive exclusively from one’s art. Even more so in a third-world country where most people spend nearly all their income on housing, transportation, and food. So my economic strategies are those of an “ordinary,” even “banal,” artist, as Brendan would say.

I should add that, as a teacher who completed 11 games with my students over 6-month courses (an immense amount of underpaid work) I already had a notion of this “just art” dimension. Or, as I always thought, as an aesthetic language like any other. I recognized this back in 2014 when I discovered Pedro Paiva’s work; he was doing exactly the same thing. Pedro also brought many clear ideas about taking games directly to people through improvised arcades, but that is a story for another day. Brendan has now made me more aware that what Pedro and I were doing - each in our own way - was exactly this: showing our students that games are “just art,” a form of human creation you can pursue simply because it fills life with meaning.

These “Games Proibidões” (not alowed games), the result of Pedro’s work with his students.

To finish, I want to look at the problem Brendan raises about game “curation.” It’s a problem none of us has a real solution for. Pedro pointed in some directions with his Arcades project, something I’ve persisted in doing thanks to him. But it is still a very local activity. The truth is that because of the almighty algorithm, YouTubers and reviewers - most of them amateurs - avoid games outside their bubble or “trends.” This is a problem because it biases and impoverishes curation. This moves into the territory of online communication, which I cannot and do not want to address. Perhaps curators should begin by seeing themselves as cultural critics, not “gamers.” I think the best reviews of my games came from people who saw themselves that way. I remember reviews by Filipe Veiga and others who were moved by the cultural content of my games and approached reviewing as a form of literary writing. But this is a problem for those in that field to solve, it’s too much for my head.

As for the main theme, perhaps my luck - and Pedro Paiva’s, I believe - is that neither of us comes from Computer Science or Digital Game Development, but from Visual Arts. We entered games with the minds of artists and critical researchers. I am very grateful to Janos Biro for translating Brendan’s text. I have always believed it necessary to reinforce this aspect of games as human creative activity, and it is good to count on people who understand the field. I am somewhat isolated, just an artist creating in my corner and trying to survive: but still with an active and thoughtful mind.

Links:




sábado, 8 de novembro de 2025

Máximo do mínimo: Anacronia e a "índole terceiro mundista"


(For english version, scroll down)

Recentemente postei em minhas redes sociais um vídeo que editei do processo de construção de uns chocalhos, e um amigo do Instagram fez uma pergunta que merece uma postagem aqui no Blog:



Como respondi lá para ele, eu vejo as semelhanças nos procedimentos e forma de pensar em toda arte que crio, seja ela digital ou material, no suporte que for. Antigamente eu gostava de pensar nos termos do movimento punk de "fazer o máximo do mínimo", até por uma consciência de que eu era (e ainda sou) pobre, com pouca grana e acesso a materiais de primeira, mas nem por isso vou me resignar e deixar de fazer o que tenho vontade de criar. Se está em minha cabeça, e eu quero trazer para o mundo, então eu vou tentar dar um jeito, com os materiais que tiver acesso, memso que não sejam os "ideais".

Quem acompanha meu trabalho deve ter notado isso. Então vou exemplificar: quando crio games, se eu não sou programador de formação, e não tenho as condições de tempo ou lugar social para me dedicar a aprender a programar tudo do zero uma linguagem como Assembly, por exemplo, então eu busco uma lingagem acessível, ou mesmo parcerias como a que fiz com o Laudelino (Mangangá Team). Busco um lugar onde me sinto a vontade e sei que consigo ir até o fim de um projeto: o meio de retrogames, onde dou conta do escopo, da música, da pixel arte, etc. E faço isso assim, mesmo que o game pareça meio "precário" (o que é falso) aos olhos de quem está no mercado de games: "por quê você não faz o game para celular, alí que está o dinheiro, ou na steam, ou no xbox, etc....". Simplesmente por que no momento me é mais acessível, por vários motivos, fazer games para ZX Spectrum e MSX.

Bruxólico de MSX


Também, se eu não tenho materiais de primeira para fabricar instrumentos musicais, que assim seja, então eu entro na pesquisa dos materiais alternativos, adaptando, buscando informação de outros construtores no youtube, e encontrando minhas poróprias soluções também. Se eu não tenho papel e caneta, ou lápis de cor, dos melhores, não tem problema, eu dou um jeito com materiais simples, depois escaneio, trato a imagem, faço o que tiver de fazer para materializar minha ideia, até por que meu tempo é curto demais para tanto projeto, então eu pesquiso e busco as formas de fazer mais rápido.

Livrinho ilustrado do Bruxólico, feito de forma artesanal por que "quem é que precisa de editora?".

E que fique claro: não é que eu não goste de volta e meia ter acesso a bons materiais, ou que eu não gostaria de ter minha arte em espaços de maior alcance: ter meu livro editado em grande tiragem e material de qualidade, etc... É que diante das condições de tempo, dinheiro, e mesmo da minha energia disponível, eu faço a escolha do trabalho independente e artesanal. E mesmo que tivesse acesso a outros meios, não deixaria de fazer também o trabalho "caseiro" em paralelo, podemter certeza. Por que também sei que tudo isso é uma das cosias que dá autenticidade e personaldiade ao meu trabalho.

Mas vamos além. Nos anos recentes quem me ajudou a ter um outro nível de consciência desse procedimento foi o amigo Luiz Souza, com toda as suas ideias ao redor de "Anacronia" na arte. O Luiz foi quem idealizou e redigiu o "Manifesto da Arte Anacrônica" (leia aqui). Foi um trabalho amplo, também coletivo, com o grupo que formamos temporariamente e nomeanos de "Gang do lixo", não sem motivo. É o Luiz que vai identificar que essa forma de proceder, que não é só minha, mas de muitos produtores ao nosso redor, é um tipo de "índole terceiro mundista" de tirar leite de pecra, de trabalhar com os recursos materiais e imateriais que temos.

Revista Anacronia nº1, fruto do trabalho da Gang do Lixo.


No terceiro mundo estamos acostumados aos "refugos" materiais e imateriais do centro do capitalismo, Ao menos, foi assim nos anos 80 e 90, antes da internet, tempo que nos formou. Naquela época, tudo chegava aqui com atraso, de segunda mão. Geralmente, o que já tinha sido descartado como obsoleto no primeiro mundo era a nossa novidade por aqui. Clássicos da literatura ou da filosofia chegavam também de segunda mão: fragmentos em gibis e filmes da seção da tarde. Teve livro que eu só soube que existica por conta de letras de músicas, filmes, quadrinhos, e depois ia buscar a obra original, se possível, nos sebos (raras vezes nessa vida que comprei um livro novo). E isso sempre foi o comum para jovens suburbanos como nós.

Acho que sempre tivemos alguma noção de nossa condição de procedimentos ao criar, se não não estaríamos aqui hoje, provavelmente no auge de nossa produção em vida. Mas as reflezões aprofundadas pelo Luiz em Anacronia deram a clareza necessária para finalmente falar de forma mais clara a respeito. Isso é só um dos aspectos desa índole de quem vive na margem do capitalismo, claro, vale lembrar que Anacronia também diz respeito a se apropriar de diferentes tempos de forma crítica. mas essa é uma conversa ainda mais longa.

Sugiro, aquem se interessar, que leia o manifesto, e tire suas conclusões. Também, que siga o Luiz Souza nas redes e visite seu blog:




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English:

Maximum from the Minimum: Anachrony and the “Third-World Disposition”

I recently posted on my social media a video I edited showing the process of building some shakers, and a friend on Instagram asked a question that deserves a post here on the blog:


As I replied to him there, I can see similarities in the procedures and ways of thinking across all the art I create - whether digital or material, in whatever medium. I used to think in punk-movement terms of “getting the maximum out of the minimum,” partly because I was (and still am) poor, with little money and limited access to first-rate materials. But that doesn’t mean I’m going to resign myself and stop creating what I feel like creating. If something is in my head and I want to bring it into the world, then I’m going to try to find a way, using whatever materials I have access to, even if they aren’t the “ideal” ones.

Anyone who follows my work has probably noticed this. So let me give an example: when I create games, if I’m not a programmer by training, and I don’t have the time or social conditions to devote myself to learning to program everything from scratch in a language like Assembly, for instance, then I look for an accessible language - or even partnerships, like the one I formed with Laudelino (Mangangá Team). I look for a space in which I feel comfortable and know I can bring a project to completion: the world of retrogames, where I can handle the scope, the music, the pixel art, etc. And I work this way even if the game seems a bit “rough” (which is false) to the eyes of people in the game industry: “Why don’t you make the game for mobile? That’s where the money is - or on Steam, or on Xbox, etc…” Simply because, at the moment, making games for the ZX Spectrum and MSX is what’s most accessible to me, for various reasons.

Bruxólico for MSX

Also, if I don’t have top-quality materials to make musical instruments, so be it. Then I go into researching alternative materials, adapting, seeking information from other makers on YouTube, and finding my own solutions as well. If I don’t have the best paper, pens, or colored pencils, that’s fine - I make do with simple materials, then scan, process the image, and do whatever I need to materialize my idea. My time is far too limited for so many projects, so I research and seek ways to work faster.

The little illustrated book of Bruxólico, made by hand because “who needs a publisher?”

And let it be clear: it’s not that I don’t enjoy having access now and then to good materials, or that I wouldn’t like to have my art reach a wider audience—to have my book printed in a large run, with quality materials, etc. It’s just that, given the conditions of time, money, and even my available energy, I choose independent and handcrafted work. And even if I had access to other means, I wouldn’t stop doing the “homemade” work in parallel - you can be sure of that. Because I also know that all this is one of the things that gives authenticity and personality to my work.

But let’s go further. In recent years, someone who helped me reach a new level of awareness about this way of working was my friend Luiz Souza, with all his ideas around “Anachrony” in art. Luiz was the one who envisioned and wrote the Manifesto of Anachronic Art (read it here). It was a broad and also collective work, created with the group we temporarily formed and named the “Trash Gang,” not without good reason. Luiz is the one who identifies that this way of operating - which is not only mine but shared by many creators around us - is a kind of “third-world disposition,” of squeezing milk from stone, of working with the material and immaterial resources we have.

Anachrony Magazine No. 1, the result of the Trash Gang’s work.

In the Third World we are accustomed to the material and immaterial “leftovers” from the center of capitalism. At least, that’s how it was in the ’80s and ’90s, before the internet - the era that shaped us. Back then, everything arrived here late, second-hand. What had already been discarded as obsolete in the First World became our novelty. Classics of literature or philosophy also arrived second-hand: fragments in comic books and afternoon-television movies. There were books I only learned existed because of song lyrics, films, or comics; then I would go looking for the original work, if possible, in used-book stores (I’ve rarely bought a brand-new book in my life). And this was always normal for suburban youths like us.

I think we always had some notion of our condition and procedures as creators; otherwise, we wouldn’t be here today, probably at the peak of our productive lives. But the reflections developed by Luiz in Anachrony gave the clarity needed to finally speak more openly about it. This is only one aspect of that disposition of those who live on the margins of capitalism. And of course, it’s worth recalling that Anachrony also concerns critically appropriating different temporalities - but that is an even longer conversation.

I suggest, to anyone interested, that you read the manifesto and draw your own conclusions. Also, follow Luiz Souza on social media and visit his blog:



segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Prêmio Edital Gelci José Coelho, dezembro de 2023

Á época eu havia publicado uma "Notinha" nas minhas redes sociais, mas acho que preciso agora fazer uma postagem de vedade aqui no Blog.


No final de 2023 eu me inscrevi, com todo meu trabalho de joguinista na cultura, com destaque para o trabalho que fiz criando games com emsu alunos enquanto professor de 2014 à 2018, e ao Game Bruxólico devido ao seu ciálogo com a cultura da cidade, na premiação pela lei Paulo Gustavo. E pra minha felicidade, eu fui um dos dois ganhadores na categoria "Cultura Digital", com esse trabalho acumulado de 10 anos criando jogos dialogando com a cultura em geral.





Foi uma felicidade ver meu nome no diário oficial, ainda mais por que o edital, aqui em Florianópolis, levou o nome de Gelci José Coelho, o Peninha, figura importantíssima da nossa cultura e que havia falescido a pouco tempo. Peninha, o contador de causos, o mágico que preservou e deu toda a projeção que pode à obra do seu mestre Franklin Cascaes. Peninha que além disso, o que ja era muito, era um artista de mão cheia e deixou toda uma produção original sua, também em diálogo com o Cascaes e a cultura local.

Detalhe de pintura em estandarte de meus 
pais representando peninha e Cascaes.


Eu sei que devo esse prêmio em grande medida ao trabalho (ainda não estgotado) com o Game Bruxólico, que foi um acúmulo de ideias e experiências, e vontade de criar algo a partir da cultura local e inspirado no Franklin Cascaes, em Peninha, e também no trabalho de meus pais, que são ceremistas tradicionais aqui da Ilha. E o prêmio veio em boa hora, providencial eu diria, por que fechar as contas sobrevivendo como artista é algo bem difícil, as vezes.



Quero deixar público aqui o currículo que apresentei para concorrer ao prêmio, mostrando minha produção, caso alguém queira conferir:

https://drive.google.com/file/d/1UE5zXMAh96MnN8XLP4trRtJn7EHC8Mv5/view?usp=sharing






Tarrafa da Magia - Temporada de "saídas de campo"

E esses oubrubro e novembro de 2025 estão cheios de eventos que preciso atender, tá corrido (risos)...

Começando pela participação no evento "Tarrafa da Magia", a convite do Harnnon do Tarrafa Cooworking (https://www.instagram.com/tarrafacoworking/). Eles estavam comemorando 7 anos do espaço de coowrking deles, e nada mais adequado que fomentar a acultura com bandas, apresentações teatrais, atividades infantís e feiras de arte.





Participei na abertura, sábado dia 25, no domingo dia 26, que foi o dia da feira de arte, e no encerramento dia 31 de outubro, com o fechamento no dias das Bruxas. Foi legal, e apesar de ser num shopping, um tipo de espaço onde eu ainda não tinha levado meu trabalho, o fato de ser um espaço mais "de bairro" e cheio de crianças, acabou que tornou a experiência interessante. Crianças jogando o game Bruxólico não faltaram, sempre tinha fila para jogar no fliperama.


Vídeo da participação nos dias 25 e 26/out.

No dia da Feira também levei meu artesanato e artes musicais, tirando um tempinho para tocar e demonstrar meus instrumentos em funcionamento. Também foi um momento gratificante, por que volta e meia aparecia alguém interessado em conversar e saber mais a respeito. E para encerrar, levei a minha "fantasia" de Boi-Fantasma, pra fazer aquela "aparição" dele no meio das crianças, e ainda sendo surpreendido pelas bruxas que tentavam me cercar (risos).


Vídeo da participação no dia 31/10


O que posso dizer, foi uma experiência cultural, pra além do videogame, e é isso que sempre me interessa nesse tipo de saída de campo. No mais, sigo confirmando outras observações anteriormente notadas, principalmente no que diz respeito a sua interação curiosa e de aprendizado rápido com o fliperama e com o game. Não é por que elas nasceram no mundo dos games de celular e redes sociais que elas não possam se encantar (e algumas demonstram exatamente isso nesses termos, um encantamento) com um game retrô, aparentemente simples, mas recheado de história e cultura (sem modéstia).


Mais registros logo abaixo (fotos por Diego Canarin, Antônio Gabriel M.V., e Amaweks)



















quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Inspirações Instrumenticeas...

As vezes eu procuro e sigo pessoas que criam seus próprios instrumentos musicais, geralmente com materiais alternativos. Alguns são mais "famosos", com milhares de visualizações em seus vídeos, mas sempre acabo me interessando mais pelos obscuros, e que, por motivos que só o deus algoritmo sabe, tem poucos seguidores e visualizações. Hoje eu esbarrei com um cara no youtube que o trabalho achei genial:


@MabInstruments 

https://www.youtube.com/@MabInstruments/videos

Ele tem muitos projetos que são uma ótima fonte de informação, de ideias, e de inspiração para criar também meus instrumentos. Não a toa eu curto esses criadores que fazem instrumentos que na aparência parecem mais "rústicos", sem a aparência de algo feito por um luthier para vender no mercado. São trabalhos que tem um apelo estético diferente, e que de certo modo valorizam a funcionalidade. No fundo, o importante é que do instrumento saia som.

Precisava deixar registrado aqui, até para deixar claro que eu não crio do nada meus instrumentos, eu vejo muita cosia que serve de referência, copio ideias, além de deixar os materiais m guiarem também, e curto a aparência "experimental" e "rústica" dos instrumentos por que isso os diferencia bastante de instrumentos convencionais que você encontra a venda. Mas é isto, fica registrado aqui para quem esbarrar com meu blog, e até para mim mesmo.


quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Novo vídeo em Anatomia Retrogamer

Tirei um tempinho pra tentar uma modificação em controle de Master System: adicionar microswitch no direcional pra ver se ele fica bom:

https://youtu.be/aS2cqm0dqOI


E vou mantendo esse canal secundário que criei no youtube apenas "respirando por aparelhos", ou meio "morto vivo", por que apesar de não ser minha prioridade, ainda não desisti de fazer mais vídeos para postar lá.

#SMS #retrogame #segamastersystem

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Participação no 31º Açor

E lá fomos nós, eu e meus pais, para mais uma participação na festa anual da Cultura Açoriana, o Açor de número 31. Como de costume, compilei um vídeo com os registros desses três dias, de sexta a domingo, logo abaixo, e também quero fazer breves observações sobre a "saída de campo":



Como sempre, é legal levar o game para esses espaços culturais, que não são feira de games, por que isso surpreende as pessoas, desloca e cria um espaço "diferente", e também por que as crianças se sentem mais a vontade para jogar, e como jogam. Como é o terceiro Açor que tem a presença do game Bruxólico, algumas das crianças dos grupos de Boi de Mamão (vindos de várias cidades do estado de SC e até um grupo de SP), já o conheciam das vezes anteriores, e ficaram felizes de reencontrar e poder jogar novamente o Bruxólico.

Vi criança trazendo amiguinho pelo braço para apresentar ao game: "Vem ver, é muito legal". Vi outras arrastando os pais dizendo "vem ver, foi ele quem fez", ou ainda fazendo questão de me dizer que lembravam do jogo. Um menininho veio até mim para dizer em suas palavras que "é muito boa a tua pixel arte". Alguns dos meninos e meninas viraram "clientes", voltavam com frequência e se sentiam desafiados pelo game: jogavam e ficavam felizes quando chegavam mais longe (uma, duas, poucas telas mais longe que da vez anterior, efeito interessante do game "tela a tela", ou "flip screen", e retomarei esse gancho ao final do texto).

Crianças dos 6 aos 12 anos de idade ao redor do fliperama, ensinando umas as outras como jogar, as vezes explicando do que se tratava o game. Vi meninos que tinham acabado de se conhecer conversando sobre o game e se revezando em jogar, se ajudando mutuamente e torcendo para o outro passar de fase.



Mas a cena mais bonita, para mim que tomei inspiração na obra do Franklin Cascaes para criar o game Bruxólico, aconteceu no domingo. Uma menina de uns 8 anos de idade, também de um dos grupos de Boi de Mamão, que já conhecia o game de antes, estava bastante interessada na parte da história do game. Em dado momento eu me dei conta que ela havia sentado no chão, em frente ao manequim da Bruxa que enfeitava o stand. Aos pés da bruxa estava o livro "O Fantástico da Ilha de Santa Catarina", do Cascaes, e a menina ficou ali sentada por vários minutos folheando, observando as ilustrações e lendo um pouco dos contos. Saber que o game Bruxólico despertou nela a curiosidade com o livro do Cascaes foi algo que me encheu de alegria.





Eu não vou repetir demais o que já falei de outras destas saídas de campo, mas é legal o quanto as crianças parecem vir jogar o game sem categorizações do que é "retro game" ou qualquer coisa do gênero. Algo legal ali do Açor é que muitas das crianças dos grupos de Boi de Mamão que ali se apresentam, ali se encontram sem a presença dos país. Elas parecem então se sentir mais a vontade para jogar e interagirem umas com as outras através do game.

É importante notar que aquela experiência infantil de jogar com o coleguinha assistindo e esperando a vez, como acontecia nos fliperamas e locadoras de antigamente, era algo só possível, da maneira que acontecia, por que os país não estavam presentes. Como professor eu sei que as crianças agem diferente quando estão na escola, entre os colegas, sem a supervisão dos país. Elas estão em "outro ambiente" social: um em que elas não precisam reproduzir tanto as opiniões ou modelos dos próprios pais. Acho esse fator também notável e interessante, e dá outra dimensão para essa experiência das crianças com o game e umas com as outras, ainda mais em frente a um fliperama, mesmo que improvisado, como o que eu levo para elas jogarem meus games.

E retomando a observação sobre a experiência do game "flip screen", ou seja, sem rolagem de tela, onde você passa de uma tela para outra: frequentemente as pessoas olham para os games do passado e veem a "evolução" em linha ascendente, como se  os limites técnicos, que eram reais, fossem apenas uma limitação a ser superada. Então, por exemplo, depois que se passou a ter a tecnologia para "rolar a tela" (scroll) como num movimento lateral de câmera nos games, o design de jogos "flip screen" seria algo superado (sendo que na época jogos como Flashback e seus antecessores já provavam que não).

Mas no game, como em toda linguagem, cada técnica tem um efeito diferente no expectador, ou no caso no jogador. Uma coisa legal no jogo "Flip Screen", comum em jogos de MSX1 e ZX Spectrum, é que o jogador tem a sensação de progressão à cada nova tela que ele supera. E isso eu constato ao vivo, vendo as crianças falarem umas para as outras: "cheguei numa fase nova". Para elas, passar para uma nova tela já é um progresso notável. Percebo também que elas conseguem avançar mais rapidamente por que podem se concentrar nos desafios de cada uma das telas em separado, uma por vez, e isso ajuda à atenuar a curva de aprendizado. Talvez estas crianças, que não viveram essa evolução do "scroll" no s games em seu tempo cronológico, como eu vivi, não tenham esse conceito de que um game com scroll seja a evolução de um jogo "tela a tela", e não estranham ou veem o efeito como uma limitação.

Bom, espero voltar no próximo Açor, daqui a um ano, quem sabe com uma nova versão do Bruxólico para surpreender as crianças, e para tornar o Bruxólico uma memória efetiva da infância de pelo menos estas crianças que reencontram o jogo uma vez por ano durante o Açor.