Vou falar um pouco sobre o resultado do conteúdo dos games em relação a proposta inicial. Esse ano, diferente do primeiro experimento, eu queria que o conteúdo dos games (história, relação entre os personagens, argumento) fosse mais elaborada e tivesse algum propósito. Por isso eu coloquei o seguinte critério: nós devíamos evitar ou desconstruir alguns dos clichês narrativos de games, em específico os clichês do maniqueísmo, de salvar a princesa, e da falta de protagonismo feminino e negro nos games. Queríamos motivos interessantes para mover os personagens em sua jornada pelo s desafios dos games. Nesse aspecto, os resultados foram muito bons. Vamos à análise resumida:
Morgana e o sonho (Turma 11): os alunos vieram com a ideia de um mundo totalmente louco, surreal. Sugeri vermos pinturas surrealistas, e falei que elas lidavam com o conceito psicanalítico do subconsciente, e do acesso ao mesmo através do sonho ou da alteração de consciência. Algumas alunas fizeram questão que o personagem principal fosse uma mulher, e em uma das redações com ideias pro game surgiu o nome Morgana. Aqui também surgiu a ideia de que ela precisaria achar um artefato perdido para passar de um sonho ao outro. Legal que o resultado foi um game de plataformas e ação com uma protagonista feminina. não houve muita sexualização da figura dela também (quem criou o design de Morgana foi o Arthur, um aluno que cria desenhos de figurinos de moda, e se inspirou em parte na Lady Gaga). Curiosa a referência do nome na literatura, intencional ou não, Morgana é a irmã de Arthur, em As Brumas de Avalon, um romance que subverte as histórias de cavalaria colocando as personagens femininas em posição de protagonismo.
A maldição de Xabru (Turma 12): Os alunos vieram com a ideia de uma bruxa má. Lembrei eles sobre a questão do clichê maniqueísta, e nas redações apareceu a solução de que ela jogava a maldição no protagonista por que este havia matado todos os animais da floresta. Pronto, era o que precisávamos, e no final articulamos bem o conteúdo no game. Nosso quase anti-herói é um caçador que, por não ter piedade dos animais da floresta, é castigado pela bruxa: uma entidade protetora da floresta. Transformado em uma criatura estranha, ele busca por quebrar a maldição, e sente na pele o que é ser a caça (os demais caçadores passam a caçar-lo como um animal). Trabalhamos o maniqueísmo, e conseguimos colocar elementos da narrativa no "game play", ou seja: é jogando que você entende que você, antes caçador, virou também a caça.
CACO - Bio-exterminador (Turma 21): O Game que mais me deu trabalho na edição (mais de quinhentas imagens recortadas, editadas, e retocadas em editores de imagem). Tivemos bastante dificuldade vir com as ideias iniciais. Depois dos alunos definirem o gênero do game (um jogo de tiro com visão em diagonal superior) alguns alunos vieram com ideias de um game com temática de guerra, de conflitos armados históricos. Achei isso muito clichê para o gênero, e sugeri que fossemos mais criativos. Ao final, construímos essa narrativa (que é um pouco clichê) de um macaco ninja, que é também uma arma biológica, fruto de experiências de um geneticista ambicioso. Não tão original o objetivo é destruir o laboratório do cientista e libertar os animais (Como nos games Sonic). Apesar disso, o resultado também me agrada por essa característica de conteúdo ambiental e ética científica.
Alice - aventuras da internet (Turma 22): Engraçado que nesta turma, e com este game, foram as meninas da sala quem mais compraram a ideia da atividade, e que no final das contas mais protagonismo tiveram nas decisões e rumos para o game. Eles decidiram fazer um game estilo Mario, de pular em cima dos inimigos e sobre plataformas, mas com a princesa no lugar do protagonista. Ela deveria salvar o príncipe preso em um castelo. Alguém veio com a ideia da fase digital (dentro do computador ou mundo digital), e isso foi incorporado no argumento dela conhecer o príncipe pela internet. Sendo que ela só o conheceu a distância, nada garante que seu príncipe seja na realidade um sapo. Foi o único game em que nos apropriamos de um clichê para subvertê-lo. Foi também um bom resultado.
Arte Ataca (Turma 31): Poucos alunos realmente se envolveram com afinco no projeto, e foram estes que decidiram aluns detalhes primordiais, em especial o tema: o de uma pintora que entra nos quadros de pintores famosos e enfrenta desafios inspirados nestas pinturas. Eles mesmos que puxaram da memória nomes com os quais já tinham tido contato (a maioria na escola, no ensino fundamental): Da Vinci, Van Gogh, Tarsíla do Amaral, Picasso, e Salvador Dali. Levei livros com as pinturas dos artistas, xerox de algumas, e eles criaram personagens e rascunhos dos cenários a partir disto. Legal que nosso protagonista é uma pintora, e negra (apesar do cabelo ruivo). As escolhas desta turma também acabam dialogando diretamente com clichês para além do game: o suposto monopólio masculino do mundo da arte, em especial da pintura.
Suspício (Turma 32). Eles queriam um jogo de plataformas com tiro. Depois de várias ideias clichês, optamos por uma (não muito original também), de um personagem que misteriosamente acordava em um hospício amaldiçoado, com médicos loucos e criaturas diabólicas, salvando os demais internos presos naquele lugar. Foi no processo de produção que alguns alunos decidiram colorir o protagonista como um personagem negro. Apesar dos clichês, teve aqui um conteúdo legal de problematização desse tipo de instituição (que passaram a ser vistas como depósitos de pessoas de pouco tempo para cá). Coincidência ou não, há aquela piadinha já batida de Hollywood de que em filmes de terror o personagem negro sempre morre. No nosso game de terror ele é o protagonista, e depende do jogador fazer com que ele chegue vivo até o final.
De maneira rápida são alguns dos pontos principais que me ocorrem. No geral, a experiência foi bem sucedida, com tropeços metodológicos no meio do caminho, o que era esperado visto a pouca referência de experiências similares.