segunda-feira, 23 de outubro de 2023

O Audio Visual Anacrônico do Luiz Souza


O Luiz Souza tem produzido um trabalho multi linguagem que dialoga a todo momento com a proposta de Arte Anacrônica, e essa nova série dele de criação de cartazes de filmes clássicos do cinema mostra isso, sempre com pinturas, manipulações fotográficas e vídeo montagens das mesmas em diálogo com "amostras" (samples) da produção cultural do século XX. Não só com a proposta estética e suas consequências sociais e políticas para o agora e futuro, mas com um entendimento de como chegamos até aqui e por que acreditamos falar do lugar no tempo onde realmente estamos em termos culturais.





Não é um trabalho de achismo, mesmo quando fazemos sinteses que levaram décadas para surgir e das quais já temos dificuldade de rastrear todos os interlocutores e escritos do passado, mas votla e meia vamos esbarrando com textos e autores que já lemos e redescobrindo essas conexções. Reymond Williams tá no DNA do Luiz e sua trajetória acadêmica que eu sei, e ler um comentarista falando que ele usa a palavra "anacronia" pra falar na cultura nesse estágio do capitalismo numsentido próximo do que falamos é mais uma das confirmação disso.

Novamente, é tema que precisava ser tratado em convesas mais densas, o que parece não existir fora da academia, e não estou com isto sendo elitista, o quê explico: não reclamo do cidadão comum, mais preocupado em colocar comida na mesa e se anestesiar político e socialmente, mas do acadêmico que me parece que só é intelectual dentro das suas 6, 8, ou 10 horas de trabalho/estudo dentro da academia. Eu nunca compreendi isso, minha relação com o saber, e acho que o Luiz compartilha, era de integridade do ser: o que eu aprendo e penso sobre o mundo transborda e eu aplico em todos os aspectos da minha existência, nem consigo ser diferente. Já a maioria dos intelectuais acadêmicos só é intelectual dentro do espaço institucional, quando não apenas dentro do seu recorte ultra especializado de estudos. Sempre achei isso engraçado.

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Tem dias que é ph*da

Tem dias que eu tenho de ficar por uns minutos com a cabeça debaixo do chuveiro e dizer a mim mesmo que é bom e vale a pena estar vivo, apesar do mundo que nós construímos.

O Estado Sionista de Israel, que já praticava um regime de apartheid, fechando em um gueto toda uma população de recorte étnico, vai entrar para a história na mesma página dos genocídios, dos crimes de guerra, dos estados fascistas e de extrema-direita, e ironicamente das tropas Nazi e suas ações carniceiras no leste europeu durante a segunda guerra mundial. Goste ou não, concorde ou não, isso vai estar nos livros de história, não somos nós quem decidimos, mas digo que do que conheço dos historiadores e de sua profissão, sei que vai ser a única forma possível da história ser escrita, seja com maior ou menor grau de floreios.

Se você é judeu, ou simpatiza com o estado Sionista de Israel, lhe digo que a verdadeira questão está longe de ser o que eu penso a respeito destas décadas e dos fatos mais recentes: eu estou longe, não tenho poder político algum, não sou parte de nenhum grupo de pessoas relacionadas a esse conflito, luto para mal conseguir a minha sobrevivência diária. A real e relevante questão é o que você vai fazer a respeito desta constatação. Vai negar? Fingir que não existe? Acusar qualquer crítico do Estado de Israel de antissemitismo como se fosse essa uma palavra mágica que mudasse as coisas? Lamento, não mudará. Os livros de história vão sim ser injustos e jogar você no mesmo saco do Governo Sionista, de suas décadas de apartheid, de seu genocídio étnico e ao lado daqueles que um dia fizeram algo semelhante ao seu povo. Novamente, não por que eu estou dizendo, eu não sou ninguém nesse filme, e só estou lembrando a quem me leia desse fato. Então o que você fará a respeito, ao menos daqui para frente?

Quanto a mim, eu falo isso por que eu sempre me coloquei, e sempre vou me colocar, do lado dos oprimidos do mundo. Tenho essa mania, de me identificar mais com estes, não sei o porquê.





E se você ainda me acompanha na leitura até aqui, tenho outra coisa pra dizer. Ainda debaixo do chuveiro, depois declamar mentalmente o texto acima em minha cabeça, eu me perguntei o que é isso que me faz ainda querer viver. E a resposta pode soar obvia para quem me conhece: Arte. Se não fosse pela Arte eu acredito que eu não estaria mais nesse mundo. Um mundo horroroso e distópico, onde qualquer pessoa com um mínimo de senso histórico pode perceber o quanto essa sociedade moderna, capitalista, vem degradando a vida entre nós, ao ponto de prometer a desumanização completa que nos reduz a meros consumidores e reprodutores do sistema 24 horas por dia. Um mudo de guerras, de miséria, fome, intolerâncias várias, opressão de classe, e horrores inacabáveis para se descrever. Um mundo que se quer pode oferecer um futuro às novas gerações, relegadas ao cinismo de uma má consciência de um "inevitável" desastre econômico, ambiental, consequentemente social e existencial.

Criamos estes horrores não só por ganancia, por instinto animal de "o meu primeiro", como muitos outros animais, ou por puro sadismo, como fazem alguns primatas, mas também por que somos animais simbólicos. Nós olhamos para o mundo e enxergamos coisas que ali não estão, que são projeções de nossas cabeças. E estas projeções carregam significados internos, e sociais, que vão pra além de sua representação. E é exatamente por sermos essa espécie de animal, louco e terrível, que também somos capazes de beleza e de sonhar um futuro melhor. 

Projetamos utopias, pensamos em futuros possíveis, sem fome, sem fronteiras, sem classes. Nos organizamos, lutamos não só por agendas individuais mas sociais. E fazemos isto por que temos a capacidade de imaginar. Imaginação que esta sociedade mata em quase todas as pessoas, mas que nós artistas, a duras penas, nos forçamos a cultivar. Inventamos mundos possíveis e impossíveis nos filmes, livros, games, e outros tipos de narrativas, além de poesia, música, e outras formas de dar significado e espírito ao invisível. Mundos em planetas distantes, utopias de paz entre os homens aos moldes de “Star Trek”, histórias de superação das mazelas sociais humanas, ideais que transcendem as necessidades de um indivíduo pelas quais lutar. Nisso tudo a arte é essencial para nos ajudar a seguir a diante. 

Não fosse a arte, em todas as suas formas, o mundo seria apenas isto que está aí e do qual já falei o suficiente. Só restaria imediatismo biológico seguido de um senso de inevitabilidade histórica. A vida sem símbolos seria a ausência de cores no agora e no futuro. Eu acredito que o "fim da história" vai se dar não quando as instituições humanas chegarem a este ou aquele estágio de desenvolvimento, mas quando morrer a arte entre nós. Se isto está próximo ou distante, com essa investida capitalista das IAs, se podemos superar ou não este desafio, ai eu deixo para sua imaginação.

 

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Despertei pela manhã pensando...

Despertei pela manhã pensando...


A Anacronia deve ser a índole da produção cultural de nosso tempo, por que as dinâmicas culturais não estão isentas dos processos socio-econômicos, por que a tecnologia não é ideologicamente isenta, e por que o tempo se diluíu e vai seguir se diluíndo em uma alquimia frenética no século XXI (e isso para além de tudo que já temos falado sobre as características anacrônicas da produção cultural da era pós internet).

O Capitalismo segue a tendência já anunciada a mais de um século, de mecanização e exclusão do trabalho humano. Humanismo é algo do passado, ao menos na visão dos grandes capitalistas, que agora enxergam o mundo com a lente do Transumanismo. A cada dia "sobra" mais gente no mundo, e vai sobrar cada vez mais. Bípedes com polegar opositor e telencéfalo altamente desenvolvido que não tem mais lugar ou função para o sistema.

Diferente do que pensaram e podem pensar alguns de forma vã, de forma muito passadista, nostalgica e não anacrônica, não vai haver solução automática. Nada de "renda universal" para todos no planeta (quiçá para algumas populações de pequenos paísies europeus, por algum tempo talvez, ou algum programa de renda mínima para os mais carentes como é o Bolsa-Família). A ética do grande capital vai ser a da obsolescência do ser humano, que nem mais para lenha deve servir, e se torna então apenas um estorvo. Fingir que não é assim é mero devaneio, muleta psicológica existencial, ou pura e simples ignorância, carência de experiência de vida e ferramentas intelectuais para ler as coisas em nível macro.

O que já vemos acontecer, e deve ainda seguir e se ampliar no restante do século, serão os grandes genocídios: pandemias, fome, fascismo, ou o "bom e velho" puro e simples genocídio étnico, como o que já ocorreu na Palestina (sim, já ocorreu, sob o silêncio de todo o mundo dito civilziado, e só estamos agora acompanhando seus momentos finais). O Capitalismo entrou em modo autofágico, faz algum tempo, no mínimo desde Tatcher, e eliminou qualquer resquício de ideologia humanista das esferas de decisão.

Sem luta, real e efetiva, a mecanização e obsolescência humana na geração de capital não trará liberdade, redução de jornada de trabalho, renda mínima universal para todos, mais tempo com seus filhos, muito menos espaço para cultivarmos o espírito humano (aliás, eles tem trabalhado para o sentido oposto). Se como "novo desocupado" você não puder se quer gerar centavos para alguma "big tech", seja pelas redes sociais, pelo seu joguinho online predileto (e tem diferença entre os dois?), e consumir algo, você esgotou completamente sua utilidade para o sistema. Nem mais como "exército de reserva", para baixar os salários, você ainda serve, por que esse "cargo" já está saturado de gente.

O Capitalismo agora devora até mesmo seus "filhos", as novas gerações de mão de obra precarizada que deve gerar capital até em seu último suspiro de agonia, escluídos e desprovidos de meios de compreender o que se passa por que presos a sistemas automatizados e gamificados das redes sociais. O controle do tempo das pesssoas pelo capital chegou a um nível de atomização em que estamos todos, a todo momento, disponíveis para sermos explorados, de qualquer lugar, o que fazemos até mesmo em nossos supostos momentos de lazer e interação social.

A Anacronia sempre foi nossa índole, de nós artistas do terceiro mundo, e é agora ainda mais necessária, por que Chronos, como na pintura de Goya, deus do tempo, devorador de sua própria criação, é agora também o signo do capitalismo do século XXI.