sábado, 8 de novembro de 2025

Máximo do mínimo: Anacronia e a "índole terceiro mundista"

Recentemente postei em minhas redes sociais um vídeo que editei do processo de construção de uns chocalhos, e um amigo do Instagram fez uma pergunta que merece uma postagem aqui no Blog:



Como respondi lá para ele, eu vejo as semelhanças nos procedimentos e forma de pensar em toda arte que crio, seja ela digital ou material, no suporte que for. Antigamente eu gostava de pensar nos termos do movimento punk de "fazer o máximo do mínimo", até por uma consciência de que eu era (e ainda sou) pobre, com pouca grana e acesso a materiais de primeira, mas nem por isso vou me resignar e deixar de fazer o que tenho vontade de criar. Se está em minha cabeça, e eu quero trazer para o mundo, então eu vou tentar dar um jeito, com os materiais que tiver acesso, memso que não sejam os "ideais".

Quem acompanha meu trabalho deve ter notado isso. Então vou exemplificar: quando crio games, se eu não sou programador de formação, e não tenho as condições de tempo ou lugar social para me dedicar a aprender a programar tudo do zero uma linguagem como Assembly, por exemplo, então eu busco uma lingagem acessível, ou mesmo parcerias como a que fiz com o Laudelino (Mangangá Team). Busco um lugar onde me sinto a vontade e sei que consigo ir até o fim de um projeto: o meio de retrogames, onde dou conta do escopo, da música, da pixel arte, etc. E faço isso assim, mesmo que o game pareça meio "precário" (o que é falso) aos olhos de quem está no mercado de games: "por quê você não faz o game para celular, alí que está o dinheiro, ou na steam, ou no xbox, etc....". Simplesmente por que no momento me é mais acessível, por vários motivos, fazer games para ZX Spectrum e MSX.

Bruxólico de MSX


Também, se eu não tenho materiais de primeira para fabricar instrumentos musicais, que assim seja, então eu entro na pesquisa dos materiais alternativos, adaptando, buscando informação de outros construtores no youtube, e encontrando minhas poróprias soluções também. Se eu não tenho papel e caneta, ou lápis de cor, dos melhores, não tem problema, eu dou um jeito com materiais simples, depois escaneio, trato a imagem, faço o que tiver de fazer para materializar minha ideia, até por que meu tempo é curto demais para tanto projeto, então eu pesquiso e busco as formas de fazer mais rápido.

Livrinho ilustrado do Bruxólico, feito de forma artesanal por que "quem é que precisa de editora?".

E que fique claro: não é que eu não goste de volta e meia ter acesso a bons materiais, ou que eu não gostaria de ter minha arte em espaços de maior alcance: ter meu livro editado em grande tiragem e material de qualidade, etc... É que diante das condições de tempo, dinheiro, e mesmo da minha energia disponível, eu faço a escolha do trabalho independente e artesanal. E mesmo que tivesse acesso a outros meios, não deixaria de fazer também o trabalho "caseiro" em paralelo, podemter certeza. Por que também sei que tudo isso é uma das cosias que dá autenticidade e personaldiade ao meu trabalho.

Mas vamos além. Nos anos recentes quem me ajudou a ter um outro nível de consciência desse procedimento foi o amigo Luiz Souza, com toda as suas ideias ao redor de "Anacronia" na arte. O Luiz foi quem idealizou e redigiu o "Manifesto da Arte Anacrônica" (leia aqui). Foi um trabalho amplo, também coletivo, com o grupo que formamos temporariamente e nomeanos de "Gang do lixo", não sem motivo. É o Luiz que vai identificar que essa forma de proceder, que não é só minha, mas de muitos produtores ao nosso redor, é um tipo de "índole terceiro mundista" de tirar leite de pecra, de trabalhar com os recursos materiais e imateriais que temos.

Revista Anacronia nº1, fruto do trabalho da Gang do Lixo.


No terceiro mundo estamos acostumados aos "refugos" materiais e imateriais do centro do capitalismo, Ao menos, foi assim nos anos 80 e 90, antes da internet, tempo que nos formou. Naquela época, tudo chegava aqui com atraso, de segunda mão. Geralmente, o que já tinha sido descartado como obsoleto no primeiro mundo era a nossa novidade por aqui. Clássicos da literatura ou da filosofia chegavam também de segunda mão: fragmentos em gibis e filmes da seção da tarde. Teve livro que eu só soube que existica por conta de letras de músicas, filmes, quadrinhos, e depois ia buscar a obra original, se possível, nos sebos (raras vezes nessa vida que comprei um livro novo). E isso sempre foi o comum para jovens suburbanos como nós.

Acho que sempre tivemos alguma noção de nossa condição de procedimentos ao criar, se não não estaríamos aqui hoje, provavelmente no auge de nossa produção em vida. Mas as reflezões aprofundadas pelo Luiz em Anacronia deram a clareza necessária para finalmente falar de forma mais clara a respeito. Isso é só um dos aspectos desa índole de quem vive na margem do capitalismo, claro, vale lembrar que Anacronia também diz respeito a se apropriar de diferentes tempos de forma crítica. mas essa é uma conversa ainda mais longa.

Sugiro, aquem se interessar, que leia o manifesto, e tire suas conclusões. Também, que siga o Luiz Souza nas redes e visite seu blog:






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