quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Gótico Ilhéu

Não, eu não vou falar do seu sobrinho ou sobrinha que se veste de preto e usa maquiagem pesada, eu quero falar é de outro gótico, da literatura e poesia, com Edgar Allan Poe, Baudelaire, Cruz e Souza, das artes visuais com Odilon Redon, Blake, e tantos outros.

Recentemente meu amigo Luiz Souza publicou uma série de postagens no facebook repercutindo o "dia das bruxas" e a nossa relação, aqui em Florianópolis, com esta simbologia, ou pelo menos as relações que poderiamos tecer de forma criativa e original (Links das postagens no final do texto)

Dentre estas postagens tem uma que fala da necessidade de se entender e utilizar do horror na arte como forma de crítica social. A postagem original do perfil www.instagram.com/agitprop.arg/ define e chama este uso de "Marxismo Gótico". Diz como é preciso não ser "estraga prazeres", e por exxemplo no lugar de já saindo taxando o tal haloween como imperialismo cultural é preciso absorver e fazer uso destas referências no trabalho e estético crítico.



Postagem de @agitprop.arg


Eu compreendo interpreto isto como uma chamada a evitar a caretice cultural em geral muito pequeno burguesa recorrente na esquerda, em especial nos setores mais metidos a "progressistas" e que flertam muito com o liberalismo. O que os Argentinos da postagem falam podemos entender como o ato de antropofagizar toda esta cultura de horror, e se utilizar dela, criando uma arte original e que pode se classificar como "Gótica". Não se trata de maneira alguma de macaquear o estrangeiro, ou seja reproduzir esta cultura que emana do centro do capitalismo de forma acrítica, não.

E aqui entramos nós, que vivemos nesta "Ilha da Magia", ou "Ilha das bruxas" como dizem os slogans, graças a um certo uso e recorte a partir da obra de Franklin Cascaes e Peninha. As elites locais se esforçam, e tem muito sucesso, em sequestrar a iconografia das bruxas que vem do Cascaes e do folclore popular de base açoriana, a colocando a serviço de seus interesses econômicos. Isto significa que devemos então abrir mão do Cascaes? Eu penso que muito pelo contrário.



Bitatá - Cascaes - 1970


Cascaes e Peninha

O Cascaes e todo este folclores tem de ser reinvidicados de forma popular: O Cascaes é do povo. No lugar da caretice (sim, é uma caretice) da esquerda em abandonar a obra do Cascaes, ou mesmo as referências folcloricas dos antigos colonos Açorianos, por estas já estarem nas mãos dos poderes econômicos, é preciso reinvidicar eles. É preciso destacar seu caráter popular e averso ás relaçoes individualistas do capitalismo, seus valores burgueses de praticidade financeira onde o "tempo é dinheiro", todo ele 24h por dia nesta era digital. E como se faz isso? Usando destas referências, criando nova arte que se inspirem nesta riqueza, realçando seu potencial de crítica social. Não adianta só falar no Cascaes, tem de criar arte a partir dele, "subir no ombro de gigantes", colocar em circulação do jeito que der, "ativar" um Cascaes popular, sem pedir benção a ninguém, ninguém.

A outra caretice, de cunho ainda mais carola e boboca, é a de negar o Cascaes por sua obra mítica ser muito "negativa". Por que a bruxa do Cascaes não tem nada de wicca, de "bruxa boa e de luz", ou qualquer outra baboseira de classe média pequeno burguesa. A Bruxa do Cascaes é o horror, é a bruxa da exploração imobiliária, com os pés gigantes de edifícios que pisam sobre as casas dos pescadores mudando toda a paisagem da cidade. Assim são outras criaturas, os múltiplos boitatás, o Congressso Bruxólico, a "comunicação telebruxólica" dos fios de telefone, etc. O mesmo deve de aplicar à obra do Peninha, que além de grande divulgador do Cascaes tem uma infinidade de trabalhos belíssimos ainda a serem descobertos e expostos ao público, mas para tanto é preciso estaestar acessível ao povo, assim como a do Cascaes. Tudo esse material já devia, numa época com oa nossa, estar digitalizado e facilmente acessivel a qualquer um, mas sabe como é né.


A Bruxa Grande - Cascaes - 1976



Gótico Ilhéu e exemplos Contemporâneos

Uma coisa que fica claro a partir dos contos do Cascaes, que recolheu relatos dos moradores antigos dos povoados da ilha, é que esse horror era parte da vida das pessoas. Imaginem, morar numa ilha, sem luz elétrica, ouvindo tudo que é barulho estranho vindo do mar e do mato? O horror está na nossa índole. Me lembrou bem o Luiz Souza estes dias, em conversas, do filme "A Fêmea do mar", do cineasta Ody Fraga, que nasceu nesta ilha mas é pouco lembrado, e neste filme dialoga o horror do isolamento de forma psicanalítica. Mas falemos de exemplos atuais:


Luiz Souza: artista e crítico que experimenta escrevendo contos, poesia, pinturas, vídeo montagens, entre outros trabalhos, meu amigo de longa data que também já colaborou em alguns trabalhos meus, e colega na Gang do Lixo e redação do Manifesto da Arte Anacrônica (leia aqui). Os contos que o Luiz publicou em seu blog (link no final) tem essa coisa, um pouco de ficção científica, distópica e até apocalíptica, mas também um teor gótico de horror. Ele tem realizado também uma série de pinturas que exploram esse horror fantástico do Gótico Ilhéu, e que tem publicado em seu perfil do facebook. Como crítico o Luiz fez uma observação muito interessante sobre a relação entre o Bode de Mendes e a ilustração do "Bitatá", do Cascaes (imagem mais acima), que está no livro de contos "Treze Cascaes" (link da postagem do Luiz falando disto também lá em baixo).



Nascimento de novo mboitatä no Extramundo de Matárius - Luiz Souza



Carlos Casotti: tatuador e ilustrador que eu descobri a pouco tempo e mostra seu trabalho no Instagram: www.instagram.com/pppseudonym/ . Ele tem feito um diálogo íntimo com a obra e a estética dos desenhos do Cascaes, aprofundando seu teor de horror e surrealismo quase psicodélico, com uma influência da cultura punk, me parece. Eu preciso acompanhar mais e em algum momento comversar com ele pra entender melhor seu trabalho, mas está certamente é uma forma de Gótico Ilheu e faz um uso interessantíssimo da obra do Cascaes.



Carlos Casotti - Creatures Of The Island: Instead Of Death... They dared to choose Life. Civilization feeds on Death. Dare to differ.



Amaweks: sim, eu quem vos falo, por que sei bem do meu esforço nesse sentido. Eu tenho misturado o horror com criaturas excentricas meio "fofas" de videogame japonês já a alguns anos. É assim no Golem de Devwill, jogo inspirado no cinema de horror preto e branco, em especial o Expressionismo Alemão. Também no personagem Homunculo de Devwill Too, diante do horror romantico existencial. E agora mais ainda em Bruxólico, com o Boi-Fantasma, uma mistura de Boi-de-mamão, do folclore locaol, com o cornudo celta e o fantasminha de Haloween. Eu, por exemplo, me aproprio da crítica a exploração imobiliária do Cascaes a atualizando e tecendo meus comentários sociais e políticas, isto em uma mistura de videogame e livro ilustrado. Apesar da mistura de uma linguagem de videogame e de livro ilustrado infantil, é uma leitura direcionada tanto para adultos quanto crianças, ou assim eu penso.



Fragmento do Livro Ilustrado Bruxólico - Amaweks


E devem ter tantos outros por aí, volta e meia a gente esbarra com algo na rua. Fato é que existe uma tradição de "magia" na arte desta ilha que não se resume a slogan ou emoção efêmera, mas de horror do desconhecido ou incontrolável, e que pode ser apropriada tanto por um discurso conservador, mas também, felizmente, por um discruso crítico.


Links adicionais:

Luiz Souza:

Marxismo Gótico

Desterro é o único nome que pode definir a experiência real desta ilha...

Cascaes e o dia das Bruxas

Blog do Luiz: Praia do Esquecimento


Meus site:

www.amaweks.com


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