É inevitável, é o assunto do momento, e todos os dias a gente compreende melhor os limites e os impactos sociais, estéticos, políticos da introdução destas ferramentas de geração automatizada de textos, imagens, audios, vídeos que a indústra e os ideólogos do Vale do Silício chamam de "Inteligências Artificiais". Recentemente dois postos do meu amigo Luiz Souza (links nos títulos de cada comentário) me fizeram escrever dois comentários a respeito do tema.
Jason e os Argonautas
Esses softwares de automação na criação de frames intermediário, para aumentar a quantidade de frames de um vídeo, já existem a alguns anos, e tem algumas cosais que me incomodam nisso. Não na ferramenta em sí, que certamente pode ser utilizada de forma criativa, mas nesses exemplos que já povoam a internet, tipo esse de Jason e os Argonautas que eu já conhecia, e vou explicar melhor.
Pra além de qualquer nostalgia com o original, primeiro tem o fator de preservação histórica, e nisso eu me lembro do que o George Lucas fez com sua própria trilogia do Star Wars, alterando ela de acordo com as décadas e com as novas sequências e tecnologias dos anos 2000. Nada de tão novo, se pensarmos que quantos livros eram revisados em edições subsequêntes? Mas geralmente com fins de melhorar a tradução, contextualziação, mas digamos que tbm alteração do texto.
Mas na linguagem do cinema ja é mais problemático quando o cara muda atores em cenas, etc. Por conta da forma de como são distribuídos os filmes no mercado do cinemão de hoje, as cópias originais de Star Wars quase se perderam, não fosse o trabalho recente de fãs que escanearam em alta resolução a partir das películas originais do cinema (conseguiram rolos de filmes originais da época, várias cópias dos mesmos filmes, para assim fazer um trabalho de digitalização e reconstrução do original que o Lucas, ou a Disney hoje em dia, não fizeram).
Segundo, tem uma coisa de "impressão" causada pela técnica que se perde. Se eu vejo um stopmotion a 20, a 15, ou até a 10 frames por segundo, ele me impressiona muito mais do que um vídeo a 120 frames gerado por "IA"(sic), ou "reescalonado" de 15 frames para 120 por um software desse tipo. E pra além de preciosismo, tem algo aí que se perde na linguagem quando aquelas imagens deixam de impressionar tecnicamente tbm, e isso leva ao meu terceiro e último ponto.
Quando a gente assiste a um filme, não necessariamente buscamos "o real", ou um simulacro da realidade pra ser mais exato. Por exemplo, se eu vejo que o negócio é feito com stopmotion, fica claro para mim que aquilo é um trabalho de arte, humano, que é fruto da imaginação e não do real, mesmo que eu não conheça as tecnicidades portrás da produção. Essa tendência já de anos, e mais e mais comum na sensibilidade das pessoas, de mascarar a origem ficcional no cinema no quesito da imagem, de querer ser "mais real que a realidade" com os efeitos especiais, eu vejo tbm no videogame moderno. Então algo, e não pouco, do que tem de linguagem estética nessas mídias se perde ao se ignorar que elas não são a realidade, mas sim um filme ou um game, um espaço de "excepicionalidade" e quebra no cotidiano (ou pelo menos já foram um dia).
Quando Magritte pinta aquele quadro retratando um cachimbo com a frase "isto não é um cachimbo" escrita logo abaixo, ele deixa óbvio, aquilo era uma pintura de um cachimbo, não um cachimbo em sí, no máximo um "ìdice", uma indicação, que remetia a um cachimbo. A pintura então havia finalmente se libertado da sua obrigação retratista, em grande medida graças ao avanço técnico da fotografia. A indústria do cinema, e a do videogame também, vão na direção oposta, tornando seus produtos cada vez mais pobres como linguagem.
Mas quem liga? Afinal, a intenção é girar capital, não fazer arte.
O Músico de Rua na Argentina
O luiz repostou e fez uma boa descrição do que se trava o vídeo que me despertou uma reflexão sobre o simulacro de inteligência das tais "IAs"(sic):
"Reprodução, por meio de instrumentos analógicos não convencionais, de timbres originalmente criados por meios de instrumentos eletrônicos.
A música do século 21 está nascendo aos poucos.
E vem da rua. Vem de baixo. Vem do lixo."
Eu logo me peguei a pensar no distanciamento, em direções opostas, entre Inteligência humana e isso que hoje o mercado tem chamado de "Inteligência Artificial", o quanto elas vão em direções opostas quanto á questão de "retro alimentação", ou "feedback loop" como tbm chamam.
Em matérias recentes os engenheiros de "IA"(sic) tem demostrado preocupaçao com o problema gerado quando esses softwares se alimentam de conteúdos gerados por elas mesmas (leia algo aqui). Pq o que esses programas realmente fazem é manejar através de algoritimos matemáticos um banco de dados gigante de imagens, textos, etc, criados inicialmente por seres humanos, e vir com um resultado, uma "média" matematicamente calculada, que é a imagem, texto, filme, resultante. Mas quanto mais as tais IAs(sic) são alimentadas com conteúdos geradas por elas mesmas, os resultados vã ose degradando. Testes já realizados preveem que a coisa pode se degradar ao ponto de os resultados não terem mais nenhum sentido e se chegar a imagens como borrões, textos sem pé nem cabeça, etc. Comforme a Internet comece a ser povoada por imagens geradas por filtros e IA (e isto já está em um processo sem volta), esse desfecho é inevitável.
Já Inteligência humana vai no sentido contrário, e quanto mais ela se alimenta de sí, das criações humanas de todo o mundo, mas ela se complexifica. Esse exemplo acima é interessante por que ele tem essa relação com a tecnologia. Quando os pioneiros da música eletrônica criaram aqueles sons com sintetizadores nos anos 60 e 70, aquilo era um negócio "de outro mundo". Eram sons muitas vezes sem paralelo com instrumentos ou sons já existentes.
Veja só, resultado do ser humano manejando de forma criativa novas ferramentas tecnológicas. Isso abriu um campo de um gênero, e muitos sub gêneros, de música eletrônica (incluindo a música de videogame com a qual eu sou familiarizado e inclusive componho pra meus jogos). Num movimento seguinte de "retro alimentação", agente vê algo como este músico de rua, que se utilizando de sucata, de lixo, recria estes sons que só foram possíveis de existir a partir da música eletrônica, mas agora de forma analógica, física e mecânica, não eletrônica ou digital.
Percebem como uma coisa vai em uma direção de ampliar a complexidade, e a outra na direção oposta? Como a tal "IA" se distancia de qualquer simulacro de inteligência, quando ela é deixada "sozinha", literalmente autônoma, apartada da criatividade humana que existe em seus banco de dados? Já a inteligência humana, que nós ainda mal compreendemos como funciona, é só se complexifica quanto mais ela se alimenta de si (e de outros humanos).
E tem grandes capitalistas e seus ideólogos que querem nos convencer de que o que eles criaram artificialmente são "inteligências". O que eles criaram foi na verdade uma grande concentração de dados, muito a par da grande concentração de capital em nosso mundo (é um reflexo da desigualdade social), e tecnologia matemática/computacional para gerir estes dados.
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