sexta-feira, 5 de julho de 2024

Tempo de Lazer

 Tempo de Lazer


“Muito trabalho e pouca diversão fazem de Jack um bobão”


Dando uma brincada com a MVS de madeira.

Nos últimos 3 ou 4 anos tinha dias que eu repetia a famosa frase de “O Iluminado” em minha cabeça, tamanha minha neura e estresse. “Desempregado” (entenda as aspas como quiser), sobrevivendo dos “freelas” (o famoso bico) e de meus projetos de games (o artesanato que complementa a renda), trabalhando por 12 ou mais horas diárias, sem parar nos finais de semana, chegou um momento agora no final de 2023 que eu senti que precisava parar por que já me sentia adoecer. Estou tentando trabalhar 8 horas no máximo, e depois tiro tempo pra algum tipo de recreação fora do computador ou celular. Também tenho me "forçado" a descansar nos finais de semana, repousando ou fazendo alguma atividade da casa ou recreativa.


Também diminuí minha neurose em relação ao trabalho nas redes sociais. Explico melhor: dizem que gente como eu precisa alimentar as redes todos os dias, com este ou aquele conteúdo, em horário X ou Y, com a música Z, assim assado, para se manter sendo visto, “existindo” como persona virtual. Eu estava começando a comprar a ideia, natural pois eu faço tudo incluindo a divulgação do meu trampo e sobrevivo dele, mas a verdade é que a coisa não é bem assim. Já me sentia criando dependência da quantidade de “likes” e visualizações de minhas postagens, como se elas fossem reverter em grana na conta bancária.


A verdade: as redes sociais são menos uma ferramenta a serviço do nosso alcance ao público, e mais uma necessidade artificial, uma obrigação. Meio que abandonei minha conta do twitter: era onde mais as pessoas “engajavam” comigo. Fez grandes diferença na minha renda? Não. Mas vamos do começo, como de costume minha cabeça ficou esse tempo todo maquinando a respeito (e enquanto eu jogava um videogame de luta, veja só), e aqui vão algumas palavras para meu eu da posteridade, a qualquer um que se dê o trabalho de ler, e à crítica roedora dos ratos (agora digitais e de IA).


Apesar da minha intenção de viver da minha arte, trabalhar com o que gosto, “viver o sonho” (se você for mais romântico), no fundo eu também me enquadro na grande massa de pessoas que tem se obrigado a “monetizar” seus gostos, o tempo de lazer, e parte da vida privada nas redes sociais (alguns mais que outros). E isso, claro, me gera conflitos internos, pois como não geraria?


Lembro quando a Ju me passou textos do João Bernardo, anos atrás no site Passa Palavra, sobre a questão do Lazer e trabalho no capitalismo. E é ainda mais antiga esta reflexão a respeito do quanto o capitalismo tende a invadir o espaço do lazer, capitalizando e fazendo as pessoas “trabalharem” nos momentos de lazer, ou seja, gerar mais valia e girar capital enquanto “descansam”. Mas não dava de prever que isso se daria não como uma atividade “extra” ao trabalho assalariado de antes, mas como um substituto precário à ele. Gerar capital para as tais “big techs” no seu horário de lazer virou tarefa para desempregados, melhor dizendo sub empregados da forma mas precária, sem qualquer vínculo empregatício.


Não é preciso ser um intelectual em sociologia e economia (eu certamente não sou) pra perceber o seguinte: o capitalismo tem destruído os postos de trabalho mais rápido do que pode gerar novos para substituir os que não mais existem. E isso admitem os próprios analistas do G7 (ou G8? Nem sei mais...), e do fórum econômico mundial, ou seja, cabeças pensantes dos gestores do capitalismo e que tentam bolar formas de salvar este sistema diante do colapso (econômico, social, e até ambiental). Segundo os mesmos, agora os saltos técnicos vem, acabam com empregos em nome da redução de custos, e criam alguns poucos no lugar, com um resultado final negativo em termos de geração de emprego. Ainda, está claro, modificam outros postos de trabalho que não se extinguiram de forma a precarizar estes mesmos, o que deve ficar ainda mais evidente nestes anos de avanço da tecnologia de IA’s. Críticos ao capitalismo já previam isto, e se parar pra pensar agora fica um tanto óbvio desde o neo-liberalismo: não sobrou muito onde reduzir custos a não ser na mão e obra, e as grandes empresas não estariam investindo milhões no desenvolvimento de IA’s para aumentar estes custos, mas obviamente para o contrário.


E aqui entro eu e mais uma pá de gente ligada ao videogame: gente que ganha trocados no youtube, falando do assunto, jogando jogos ao vivo para outros assistirem, desenvolvendo joguinhos (de novo como eu), e “trabalhando” de forma não remunerada nas redes sociais na esperança de alcançar um público maior e aumentar sua renda. Por quanto tempo aguentaremos ou teremos essas migalhas? Só sabemos que por pouco tempo. Somos ao mesmo tempo produto (junto com as demais pessoas) das redes sociais (sim, eles nos vendem para a propaganda e coleta de dados), e também produtores não remunerados destas plataformas (sem nós elas não tem nada a oferecer). Que perfeição, mais valia absoluta.


Isso é o que “sobrou” pra cada vez mais pessoas, e me sinto parte destas. Este quebra-galho precário, enjambrado e incerto, vai muito em breve (mesmo) rarificar com a expansão das IA’s, que foram projetadas exatamente para diminuir custos de produção no campo da cultura: falo da produção de música, vídeo, games, e da propaganda, ou seja basicamente todo tipo de entretenimento que se consome hoje em dia. E aja entretenimento pra tanta gente sem perspectiva de futuro no capitalismo. Para isso as redes sociais são eficazes, tem pra todo gosto: ou você pensa que o boom de teorias malucas estilo terraplanismo (todas as espécies de “terraplanismos”) são mais que diversionismo e entretenimento para manter incautos na alienação de toda esta máquina?


Pra terminar, vem sempre alguém perguntar: “tá, mas e aí, o que fazer?” Se eu tivesse a resposta meu amigo… Ludismo, ou sabotar a máquina, é alguma coisa, dá alguma sensação de que temos algum controle, mas não é realista em termos sociais mais amplo. Renda universal para todos parece ilusão, promessa vazia não virá, ao menos na maioria dos países, pois os grandes capitalistas não estariam nessa sede de reduzir custos com a força de trabalho humano se fosse pra gastar dinheiro com renda universal para desempregados, não faria sentido algum. Uma solução óbvia seria a redução da jornada de trabalho para 6 ou até 4 horas, sem redução de salário, pois isso faria que menos empregos dessem conta de mais empregados. De novo, essa seria uma solução racional em termos sociais, mas a racionalidade no capitalismo é sempre em termos individuais: se tudo o que é feito é para aumentar a mais valia extraída do trabalhador então os capitalistas nunca vão aceitar uma medida que vai na direção oposta.


Nada do parágrafo acima é uma grande ideia original, essas soluções são sugeridas a décadas como se a sociedade no capitalismo fosse algo racionalmente orientado ao coletivo, o que não é. As respostas alternativas temos à tempos, mas elas não se dão de forma individual, e a questão que nos enche de medo não é "o que fazer" mas sim o “como fazer". Individualmente estamos todos nos segurando em botes salva vidas deste "Titanic" econômico e social, e não sou eu que vou recriminar qualquer pessoa por tentar sobreviver de seu trabalho como dá nas redes sociais (como eu também o faço de certo modo). Coletivamente fica cada dia mais claro: apenas uma revolução profunda que derrube o capitalismo e reordene completamente as prioridades sociais pode evitar a barbárie que já está em curso. É isto ou seremos todos umas peças completamente dispensáveis para os grande capital (se já não somos, visto que alguns bilionários neomaltusianos adoram falar que tem gente demais no mundo: no fundo eles não sabem bem o que fazer com essa “sobra” de de força de trabalho). Em breve seremos dispensáveis até mesmo em nossos “lazeres”. Então, em primeiro lugar, é preciso ter consciência de classe.


Bom é isso, escrevi por que pensar me faz sentir vivo, e escrever é parte importante do pensar.

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