quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Curta Experimental de "O Purgatório de Virgílio" e breves reflexões anacrônicas.

 

Breves Reflexões Anacrônicas

Sempre que estou produzindo estou pensando em questões relacionadas a arte e sociedade. Outro dia editando minhas revistas em versão “econômica”, de forma caseira, eu pensava sobre o que me motiva a fazer estas cosias, e dessa forma mesmo que fora dos padrões mercadológicos. Em outro momento, editando a vídeo montagem que fiz a partir de O Purgatório de Virgílio (logo abaixo), e conversando com Luiz Souza sobre suas experiências Anacrônicas em Áudio Visual, me vieram algumas reflexões a cerca de alguns temas referentes à arte no século XXI. Prometo que vou tentar ser o mais direto o possível sem ser demasiado superficial nos ensaios abaixo.



Sobre o Curta quero falar que dialogando com os experimentos audio visuais Anacrônicos do Luiz Souza eu estava a algum tempo planejando fazer um curta de o Purgatório de VIrgílio. Queria nele explicitar algumas das referências culturais do jogo, e assim criar algo novo a partir da narrativa do jogo e destas fontes de inspiração. Assim como em outro curta experimenta que fiz, do Bruxólico, eu usei essa colagem e sobreposição de imagens, tentando fazer uma síntese antropofágica no tempo, ou seja, anacrônica.


Apologia a Produção de Cultura Caseira e Artesanal

Uma coisa que sempre tive consciência como artista é que o ideal da indústria frequentemente nos aliena como produtores. Quero dizer com isso que se buscamos o tal padrão de qualidade (sic) do mercado acabamos por nos excluir como produtores, sobrando apenas empreendimentos capitalizados produzindo cultura, a tal da Indústria Cultural.

Por isto publique o que for, textos, imagens, zines, quadrinhos, videogame, sem se preocupar com esse tipo de critério. O que não significa fazer um produto esteticamente inferior ou fuleiro. Pegue por exemplo a estética do Zine, baseada no lixo da cidade, no ruído, na informação fragmentada, na poesia concreta, que dali você vai tirar coisas fantásticas.

O que na verdade a indústria estabelece como um "corte" de qualidade costuma ser calcada principalmente em fatores técnicos e materiais: é a qualidade do papel, da impressão, da revisão de texto, do marketing e difusão, em fim, de toda uma estrutura de fábrica. A Indústria cultural se importa principalmente com esses fatores, e como último e distante quesito a qualidade estética, entendida como o fator artístico ou de esmero em como a linguagem, seja ela qual for como o game, quadrinhos, etc., articula forma e conteúdo.

Na real, esteticamente os produtos da Indústria cultural podem até ser puro lixo, sem problema, “fast food” na forma de filme, game, livro, etc, desde que venda, e para isto pagam bem marqueteiros que sabem domesticar eficientemente seu público. Então, meu amigo, produza, busque o esmero estético nas linguagens de sua escolha dentro das condições materiais possíveis à você, e desencane dos padrões da indústria. Se não fosse por isto eu não estava fazendo também jogos para computadores 8-bits, vistos como obsoletos, mas fazendo através deles coisas inéditas no campo da cultura.

 

O Problema do acúmulo informacional do séc. XX

Como o Luiz Souza já frisou algumas vezes, e de certo modo está em nosso manifesto, um dos problemas que se coloca aos artistas do século XXI é o que fazer com o acúmulo de produção estética, de textos, quadrinhos, sons, imagens em variados suportes, animações, em fim humanas de pelo menos todo o século XX. Isso é um problema muito maior de o que ou como utilizar as novas técnicas digitais criadas no século vigente.

As pessoas imbuídas daquele espírito da “Internet como espaço livre”, por mais que enganadas e ideologizadas pelos liberais do Vale do Silício, ainda tentam manter na internet essa grande enciclopédia, esse grande arquivo de material já produzido. As vezes de forma organizada, em fóruns, ou sites como a “Wikipedia” ou o “Internet Archive”, as vezes fragmentadas em seus canais de youtube. São produções comerciais de todo o século XX, de filmes, livros, a videogames. Bem ou mal, isso ainda existe para além dos controles das plataformas. E essa talvez seja a melhor faceta da internet ainda hoje.

Mas voltando ao século XX, quem conhece meu trabalho sabe que me fascinam as limitações técnicas do (mesmo recente) passado. Tecnologias mecânicas, animações e filmes com técnicas simples e hoje acessíveis a quase todos se dispostos a subverterem os usos mais comuns do “ismartefone”.  O Método Anacrônico frequentemente pega essas técnicas e mistura com questões e problemas sociais do presente, na tentativa de fugir das amarras e exigências técnicas impostas pela indústria hoje. Pra quê fazer um vídeo de 30 segundos em resolução 4k se com o mesmo recurso de equipamento eu posso fazer um curta de 5 minutos em resolução mais baixa? Recursos técnicos tidos como obsoletos não impedem que um filme do Chaplin ainda seja uma obra prima, a diferença está no conteúdo.

Dai penso o seguinte: num ponto em relação ao capitalismo os liberais (e até Marx pensava isso), tem razão, o capitalismo até certo ponto acelera o desenvolvimento técnico. Ou, assim tem acontecido, apesar de que parecemos estar no limiar de uma barreira para esse sistema econômico e social nesse quesito. No entanto, quem disse que esse avanço técnico “hyper” veloz é exatamente bom? Não estou falando que é ruim pra medicina, ou outros setores que se relacionam com o bem estar humano, não sou idiota, no entanto tem uma coisa que não consideramos e parece cada vez mais claro: pelo nos últimos 100 anos a técnica, tecnologia, avançou muito mais rápido do que os seres humanos e suas formas de organização social pudessem acompanhar.

Então eu penso na evolução das linguagens estéticas e narrativas, na arte em geral. Chaplin resistiu ao uso do som em seu cinema não só por preciosismo, mas por que acreditava que aquela linguagem, do filme dito “Mudo”, ainda tinha espaço para se desenvolver. “Tempos Modernos” é um filme com som mas que explora a linguagem do filme mudo. E assim vamos avançando o século XX e vendo a técnica evoluindo e se impondo, através da indústria, em toda a produção artística. Tornando obsoletas linguagens que mal haviam amadurecido.

Eu penso isto, por exemplo, da linguagem do videogame de 8 bits, dos anos 80, ou 2D e m pixel arte em geral. Foi uma linguagem que por necessidade e velocidade da indústria foi abandonada no seu auge, no seu momento de amadurecimento técnico. Quem dirá do seu amadurecimento como arte ou linguagem, que é algo que vai muito além da técnica mas que está também em diálogo com esta. Penso o mesmo de muitas outras formas e linguagens na arte.

Esta é uma das tragédias do capitalismo na arte, o avanço técnico acontece mais rápido do que o ser humano pode acompanhar, resultando em distorções absurdas, não só na desigualdade social, o que já é consenso por qualquer pessoa minimamente crítica a este mundo, mas também de capacidade para o ser humano processar tanta informação gerando um déficit nas potencialidades das suas invenções técnicas. E acho que aí entra o quanto temos de acúmulo de técnica sem ter explorado elas em muitas de suas possibilidades.

Então este fato, somado a busca por se libertar de outras imposições do mercado que alienam pequenos artistas, é motivo suficiente para essa retomada de linguagens e técnicas inventadas no século XX, mas que com certeza tem muito ainda a nos dar, além de serem facilmente acessíveis com equipamentos e tecnologias quase banais hoje em dia. A velocidade do avanço técnico é inimiga do aprofundamento das novas linguagens criadas no século XX, mas o que precisamos fazer e nos apropriar dessas tecnologias e olhar para as linguagens do século passado, com um olho na vida social do presente.

  

Humano "Versus" IA: imposição da velocidade da indústria.

Como era de se imaginar, o conteúdo produzido nestas IA’s, ou ferramentas de automatização na geração de imagens, roteiros, entre outros trabalhos criativos, tem sim uma ideologia. É a ideologia de seus donos, um algo como um senso comum controlado por algoritmos treinados a partir de valores da sociedade burguesa já decadente e cínica em relação ao futuro nada brilhante que projetam para os seres humanos (ao menos os humanos pobres, que são a maioria).

Estas ferramentas de automação são, e serão, vendidas como politicamente isentas, mas não o são nem serão. Elas vão certamente se tornar eficientes em emular todo e qualquer estilo gráfico, de escrita, audiovisual, sonoro, humanos. E aí, o que sobra para seres humanos reais? Ou, o que sobra para seres humanos que ainda se importam com arte feita por outros seres humanos, fruto de experiências humanas vividas, por mais imperfeitas que sejam, e não de experiências tabeladas em “big data” que são matematicamente fragmentadas e reorganizadas por uma IA para criar supostamente arte.

Alguém pode pensar: mas as Ias só servem para fazer arte digital, os seres humanos ainda podem fazer trabalhos manuais. Sim, por algum tempo isto ainda pode distinguir uma produção humana que esteja fora do mundo virtual, mas no momento que ela se torna imagem, se torna mais uma imagem na internet e deixa de se diferenciar. Além do que, quem garante que a técnica da indústria não vai também sobrepujar as mãos humanas? Se tem algo que a mecanização industrial já faz a tempo é substituir mãos humanas onde as da máquina se tornam mais baratas e produtivas.

Frente a isso o problema que se coloca para aqueles que desejam ainda fazer uma arte humana se torna inevitavelmente o de como fazer, produzir, arte que possa ser reconhecido como produção humana? Ou, como fazer algo que não possa ser produzido pelas tais IAs(sic)? Se for pelo parâmetro do mercado, nada, não vai haver nada que se possa fazer. Se for pela necessidade humana de ser original, tem sim algo a ser feito.

A resposta possível para mim reside no conteúdo crítico e político. A crítica social autônoma e criativa, o conteúdo político realmente emancipador e ameaçador para a opressão hegemônica dentro do capitalismo, só vai ser possível ser exercida na arte criada por seres humanos. Como já acontece há muito tempo, essa arte dificilmente vai ter espaço na indústria cultural, a não ser que possa ser cooptada de alguma forma. De qualquer modo, esse é o fator diferencial que vai restar ao humano, visto que as IA’s tem direcionamento ideológico.

Então resta a arte feita por mãos e cabeças humanas ser já agora, e o será inevitavelmente em breve, ainda mais política, por que este deve ser seu único diferencial estético em relação ao “senso comum” homogeneizado do conteúdo gerado através destas ferramentas digitais de automação, por que se tem algo que a “arte” de IA não vai nunca poder ser, por que iria contra sua função e controle de seus donos, é perigosamente política. Aqueles que negarem ou recusrem este fato vão setornar aidna mais irrelevantes, ainda mais "uma gota no oceano" de contéudo efêmero da internet.

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário