Breves Reflexões Anacrônicas
Sempre que estou produzindo estou
pensando em questões relacionadas a arte e sociedade. Outro dia editando minhas
revistas em versão “econômica”, de forma caseira, eu pensava sobre o que me
motiva a fazer estas cosias, e dessa forma mesmo que fora dos padrões
mercadológicos. Em outro momento, editando a vídeo montagem que fiz a partir de
O Purgatório de Virgílio (logo abaixo), e
conversando com Luiz Souza sobre suas experiências Anacrônicas em Áudio Visual,
me vieram algumas reflexões a cerca de alguns temas referentes à arte no século
XXI. Prometo que vou tentar ser o mais direto o possível sem ser demasiado superficial
nos ensaios abaixo.
Sobre o Curta quero falar que dialogando com os experimentos audio visuais Anacrônicos do Luiz Souza eu estava a algum tempo planejando fazer um curta de o Purgatório de VIrgílio. Queria nele explicitar algumas das referências culturais do jogo, e assim criar algo novo a partir da narrativa do jogo e destas fontes de inspiração. Assim como em outro curta experimenta que fiz, do Bruxólico, eu usei essa colagem e sobreposição de imagens, tentando fazer uma síntese antropofágica no tempo, ou seja, anacrônica.
Apologia a Produção de Cultura Caseira e Artesanal
Uma coisa que sempre tive
consciência como artista é que o ideal da indústria frequentemente nos aliena
como produtores. Quero dizer com isso que se buscamos o tal padrão de qualidade
(sic) do mercado acabamos por nos excluir como produtores, sobrando apenas
empreendimentos capitalizados produzindo cultura, a tal da Indústria Cultural.
Por isto publique o que for,
textos, imagens, zines, quadrinhos, videogame, sem se preocupar com esse tipo
de critério. O que não significa fazer um produto esteticamente inferior ou
fuleiro. Pegue por exemplo a estética do Zine, baseada no lixo da cidade, no
ruído, na informação fragmentada, na poesia concreta, que dali você vai tirar
coisas fantásticas.
O que na verdade a indústria
estabelece como um "corte" de qualidade costuma ser calcada
principalmente em fatores técnicos e materiais: é a qualidade do papel, da
impressão, da revisão de texto, do marketing e difusão, em fim, de toda uma
estrutura de fábrica. A Indústria cultural se importa principalmente com esses
fatores, e como último e distante quesito a qualidade estética, entendida como o
fator artístico ou de esmero em como a linguagem, seja ela qual for como o
game, quadrinhos, etc., articula forma e conteúdo.
Na real, esteticamente os
produtos da Indústria cultural podem até ser puro lixo, sem problema, “fast
food” na forma de filme, game, livro, etc, desde que venda, e para isto pagam
bem marqueteiros que sabem domesticar eficientemente seu público. Então, meu
amigo, produza, busque o esmero estético nas linguagens de sua escolha dentro
das condições materiais possíveis à você, e desencane dos padrões da indústria.
Se não fosse por isto eu não estava fazendo também jogos para computadores
8-bits, vistos como obsoletos, mas fazendo através deles coisas inéditas no
campo da cultura.
O Problema do acúmulo informacional do séc. XX
Como o Luiz Souza já frisou
algumas vezes, e de certo modo está em nosso manifesto, um dos problemas que se
coloca aos artistas do século XXI é o que fazer com o acúmulo de produção
estética, de textos, quadrinhos, sons, imagens em variados suportes, animações,
em fim humanas de pelo menos todo o século XX. Isso é um problema muito maior
de o que ou como utilizar as novas técnicas digitais criadas no século vigente.
As pessoas imbuídas daquele
espírito da “Internet como espaço livre”, por mais que enganadas e
ideologizadas pelos liberais do Vale do Silício, ainda tentam manter na
internet essa grande enciclopédia, esse grande arquivo de material já
produzido. As vezes de forma organizada, em fóruns, ou sites como a “Wikipedia”
ou o “Internet Archive”, as vezes fragmentadas em seus canais de youtube. São
produções comerciais de todo o século XX, de filmes, livros, a videogames. Bem
ou mal, isso ainda existe para além dos controles das plataformas. E essa
talvez seja a melhor faceta da internet ainda hoje.
Mas voltando ao século XX, quem
conhece meu trabalho sabe que me fascinam as limitações técnicas do (mesmo
recente) passado. Tecnologias mecânicas, animações e filmes com técnicas
simples e hoje acessíveis a quase todos se dispostos a subverterem os usos mais
comuns do “ismartefone”. O Método Anacrônico
frequentemente pega essas técnicas e mistura com questões e problemas sociais
do presente, na tentativa de fugir das amarras e exigências técnicas impostas
pela indústria hoje. Pra quê fazer um vídeo de 30 segundos em resolução 4k se
com o mesmo recurso de equipamento eu posso fazer um curta de 5 minutos em
resolução mais baixa? Recursos técnicos tidos como obsoletos não impedem que um
filme do Chaplin ainda seja uma obra prima, a diferença está no conteúdo.
Dai penso o seguinte: num ponto
em relação ao capitalismo os liberais (e até Marx pensava isso), tem razão, o
capitalismo até certo ponto acelera o desenvolvimento técnico. Ou, assim tem acontecido,
apesar de que parecemos estar no limiar de uma barreira para esse sistema
econômico e social nesse quesito. No entanto, quem disse que esse avanço
técnico “hyper” veloz é exatamente bom? Não estou falando que é ruim pra
medicina, ou outros setores que se relacionam com o bem estar humano, não sou
idiota, no entanto tem uma coisa que não consideramos e parece cada vez mais
claro: pelo nos últimos 100 anos a técnica, tecnologia, avançou muito mais
rápido do que os seres humanos e suas formas de organização social pudessem
acompanhar.
Então eu penso na evolução das linguagens estéticas e narrativas, na arte em geral. Chaplin resistiu ao uso do som em seu cinema não só por preciosismo, mas por que acreditava que aquela linguagem, do filme dito “Mudo”, ainda tinha espaço para se desenvolver. “Tempos Modernos” é um filme com som mas que explora a linguagem do filme mudo. E assim vamos avançando o século XX e vendo a técnica evoluindo e se impondo, através da indústria, em toda a produção artística. Tornando obsoletas linguagens que mal haviam amadurecido.
Eu penso isto, por exemplo, da linguagem
do videogame de 8 bits, dos anos 80, ou 2D e m pixel arte em geral. Foi uma
linguagem que por necessidade e velocidade da indústria foi abandonada no seu
auge, no seu momento de amadurecimento técnico. Quem dirá do seu amadurecimento
como arte ou linguagem, que é algo que vai muito além da técnica mas que está
também em diálogo com esta. Penso o mesmo de muitas outras formas e linguagens
na arte.
Esta é uma das tragédias do
capitalismo na arte, o avanço técnico acontece mais rápido do que o ser humano
pode acompanhar, resultando em distorções absurdas, não só na desigualdade
social, o que já é consenso por qualquer pessoa minimamente crítica a este
mundo, mas também de capacidade para o ser humano processar tanta informação
gerando um déficit nas potencialidades das suas invenções técnicas. E acho que
aí entra o quanto temos de acúmulo de técnica sem ter explorado elas em muitas
de suas possibilidades.
Então este fato, somado a busca
por se libertar de outras imposições do mercado que alienam pequenos artistas, é
motivo suficiente para essa retomada de linguagens e técnicas inventadas no
século XX, mas que com certeza tem muito ainda a nos dar, além de serem
facilmente acessíveis com equipamentos e tecnologias quase banais hoje em dia.
A velocidade do avanço técnico é inimiga do aprofundamento das novas linguagens
criadas no século XX, mas o que precisamos fazer e nos apropriar dessas
tecnologias e olhar para as linguagens do século passado, com um olho na vida
social do presente.
Humano "Versus" IA: imposição da velocidade da indústria.
Como era de se imaginar, o
conteúdo produzido nestas IA’s, ou ferramentas de automatização na geração de
imagens, roteiros, entre outros trabalhos criativos, tem sim uma ideologia. É a
ideologia de seus donos, um algo como um senso comum controlado por algoritmos
treinados a partir de valores da sociedade burguesa já decadente e cínica em
relação ao futuro nada brilhante que projetam para os seres humanos (ao menos
os humanos pobres, que são a maioria).
Estas ferramentas de automação
são, e serão, vendidas como politicamente isentas, mas não o são nem serão.
Elas vão certamente se tornar eficientes em emular todo e qualquer estilo gráfico,
de escrita, audiovisual, sonoro, humanos. E aí, o que sobra para seres humanos
reais? Ou, o que sobra para seres humanos que ainda se importam com arte feita
por outros seres humanos, fruto de experiências humanas vividas, por mais
imperfeitas que sejam, e não de experiências tabeladas em “big data” que são
matematicamente fragmentadas e reorganizadas por uma IA para criar supostamente
arte.
Alguém pode pensar: mas as Ias só
servem para fazer arte digital, os seres humanos ainda podem fazer trabalhos
manuais. Sim, por algum tempo isto ainda pode distinguir uma produção humana
que esteja fora do mundo virtual, mas no momento que ela se torna imagem, se
torna mais uma imagem na internet e deixa de se diferenciar. Além do que, quem
garante que a técnica da indústria não vai também sobrepujar as mãos humanas?
Se tem algo que a mecanização industrial já faz a tempo é substituir mãos
humanas onde as da máquina se tornam mais baratas e produtivas.
Frente a isso o problema que se
coloca para aqueles que desejam ainda fazer uma arte humana se torna
inevitavelmente o de como fazer, produzir, arte que possa ser reconhecido como
produção humana? Ou, como fazer algo que não possa ser produzido pelas tais IAs(sic)?
Se for pelo parâmetro do mercado, nada, não vai haver nada que se possa fazer.
Se for pela necessidade humana de ser original, tem sim algo a ser feito.
A resposta possível para mim reside
no conteúdo crítico e político. A crítica social autônoma e criativa, o conteúdo
político realmente emancipador e ameaçador para a opressão hegemônica dentro do
capitalismo, só vai ser possível ser exercida na arte criada por seres humanos.
Como já acontece há muito tempo, essa arte dificilmente vai ter espaço na
indústria cultural, a não ser que possa ser cooptada de alguma forma. De
qualquer modo, esse é o fator diferencial que vai restar ao humano, visto que
as IA’s tem direcionamento ideológico.
Então resta a arte feita por mãos
e cabeças humanas ser já agora, e o será inevitavelmente em breve, ainda mais política,
por que este deve ser seu único diferencial estético em relação ao “senso comum”
homogeneizado do conteúdo gerado através destas ferramentas digitais de
automação, por que se tem algo que a “arte” de IA não vai nunca poder ser, por
que iria contra sua função e controle de seus donos, é perigosamente política. Aqueles que negarem ou recusrem este fato vão setornar aidna mais irrelevantes, ainda mais "uma gota no oceano" de contéudo efêmero da internet.
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