domingo, 26 de março de 2023

Bruxólico: Cascaes e o Folclore

Postagens adaptadas de algumas que originalmente fiz no facebook em novembro de 2022, ainda no processo de produção do jogo, e reescrevo aqui para atualizar e manter o registro/acesso deste pensamento.


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 Bruxólico: Cascaes e o Folclore

 

Pra quem não é daqui, preciso resumir o seguinte: A Ilha de Santa Catarina tem um folclore e uma cultura rica pouco divulgada Brasil a fora, e também pouco valorizada (de verdade) pelas elites locais por que não rende grana grossa. Essa cultura é resultado da mistura (e do embate) de diferentes culturas que aqui se estabeleceram (ou foram estabelecidas), principalmente Açorianos, indígenas do litoral (e do interior que foram aqui alocadas), e negros escravizados. Pois então...

 

Peças em cerâmica feita por meus pais representando
personagens do folclores local


Poucos registraram (e também criaram a partir) essa cultura, aqui, como Franklin Cascaes. Ele produziu textos, relatos de causos/contos, cerâmica, e desenhos fantásticos como forma de registro de toda uma cultura que antes existia apenas de forma oral. Para não me alongar quero mostrar a comparação de uma imagem do jogo com um desenho do Cascaes.


A imagem acima é o desenho "Balanço Bruxólico", de autoria de Franklin Cascaes. O conto que fala desse causo está num dos volumes de "O Fantástico da Ilha de Santa Catarina", organizado pelo Gelci José Coelho e publicado pela editora da UFSC. É uma criatura bruxólica, ou você poderia chamar de um tipo de "poltergeist", feita de uma roda de carrro-de-boi, cangalha de boi (o que prende o boi no carro), e também partes do próprio animal. Eu precisava colocar ele como uma das criaturas do jogo que tenta barrar o progresso do jogador.

 


Mais uma cena interessante é a da lenda do Linguado, Sirí, Tainhas, e Nossa Senhora. querendo ajuda para atravessar o canal entre o continente e a Ilha a mãe de Jesus pede ajuda a um linguado, que no lguar de ajudar faz troça. Um Siri oferece então para carregar ela e atravessar o canal, e no meio do trajeto é ajudado por uma manta de tainhas. Por tanto, o sirí é abençoado com a silhueta do manto de Nossa Senhora em suas costas, e o lingaudo amaldiçoado com os dois olhos no mesmo lado da cara. Abaixo uma representação da cena feita pelo cascaes, uma peça em cerãmica feita por minha, mãe, e telas do jogo inspirada em tudo isto:



E em cima destas e muito mais referencias vou criando as cenas do jogo. A imagem abaixo, por exemplo, não é diretamente inspirada em algum desenho específico do Cascaes, mas minhatentativa de criar algo aos moldes deste unviverso fantástico. Eu chamo essa criatura de "Tarrafa Embruxada", e é o inimigo que já aparece no começo do jogo. 


Além dessa parte imagética, quanto mais eu conheço a obra do Cascaes mais me parece que as bruxas ali não são apenas bruxas, mas representações de coisas para além. Por que como artista, e esteta, ele sabia que existem camadas de leitura pra além da narrativa na superfície. O Narrador sempre tem uma lição a compartilhar, uma sabedoria, e ela geralmente está nas "entrelinhas" da narrativa. E não é questão enganar, ludibriar o leitor, assim como faz o marketing (que usa recursos da psicanálise para direcionar as pessoas através do inconsciente mais irracional e animalesco possível), mas é por que assim são as lições da vida, sempre nas entrelinhas.

Mas retomando, as Bruxas de Franklin Cascaes não são apenas bruxas. Acredito que ele percebia que quando os antigos contavam as histórias, as bruxas eram materializações de medos, de recalques, de ressentimentos, e tudo o mais. Não por acaso uma sociedade machista encarna na figura da mulher bruxa problemas que ela não pode explicar ou compreender.

Pra mim o Cascaes claramente usava isso como artifício de criação artística. Por exemplo, ele via a exploração imobiliária da cidade, da Ilha de Desterro, como um sério problema. Ela estava acabando com aquele modo de vida que ele representava nos seus desenhos, cerâmicas, e contos escritos a partir da coleta na cultura oral dessas populações de agricultores e pescadores do litoral. Essa consciência era explícita e inclusive o principal motivo para ele fazer o trabalho que fez.

Acima um exemplo do que estou falando em um dos desenhos do Cascaes: uma bruxa gigante com os pés na forma de edifícios que pisam e destroem as casas simples dos pescadores e nativos da ilha. Sabemos que assim foi, e ainda é o processo de gentrificação e exploração imobiliária na cidade: grandes famílias que pelo força (dinheiro e influência nas instituições) retiravam comunidades ancestrais de áreas que se mais tarde tornariam "nobres" para saciar a sanha da exploração imobiliária. Recentemente em 2023, a poucos dias, a câmara de vereadores simplesmente passou por cima das consultas populares e manifestações da população e mudou o plano diretor da cidade, permitindo prédios com mais de 3 andares em bairros onde antes não era permitido, o que deve acarretar a problemas sociais incontornáveis em menos de uma década. Tudo a favor da exploração imobiliária.

Pois bem, eu só poderia fazer jus à inspiração na obra do Cascaes se de forma semelhante também me utilizasse das bruxas não só como motor da primeira camada narrativa, mas como singno para outros significados no meu jogo. As bruxas, em Bruxólico, representam também outras coisas para além delas, e a primeira camada da narrativa é um meio, um “conduto” para outras narrativas mais sutis. Deixo isso claro tanto na história introdutória do jogo, que vou revelar em postagens futuras, mas também dentro do jogo, durante a partida, em alguns momentos do jogo que dialogam com os vilões, os chefões de fase.



Dentro da modéstia que o meu fazer permite, criando minha arte através de novos jogos de videogame para sistemas "obsoletos", vou fazendo o que considero ao meu alcance, sempre esticando a corda mais um pouco e vendo até onde posso chegar. Fazer esse jogo inspirado no Cascaes é algo que consdiero importante, e o faço com respeito e reverência, homenageando o Cascaes, o Peninha, meus pais, e outras pessoas próximas e artistas amigos que aqui nesta cidade também labutam.


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